quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

(...)

Foi muito bonito. Talvez eu nunca me esqueça, o momento silencioso em que a minha mão, como por acaso, encontrou na tua. Foi como um choque. Triste é quando o cupim perde as asas e fica vagando pela vida, como quem já perdeu a viagem. Mas você nem sempre me disse 'eu também' com o meu brilho nos olhos, eu talvez jamais me esqueça do pé na porta e do momento de silêncio que existe depois do fim. Foi como um choque. Talvez quando o cupim perde a asa, talvez ele também perca um pedaço da alma e mais nada faça sentido.

sábado, 18 de dezembro de 2010

... agora ouve do mundo as verdades que você insiste em negar! Como se você pudesse enganar alguém com esses teus olhos ilícitos de corsa acuada, como se ninguém percebesse de onde você tira inspiração para a tristeza, para a beleza, para o poeminha na borda do caderno! Agora ouve, garota, ouve que você falhou... Ouve isso dito com todas as palavras, engole isso, vamos, garota! Aceita, assume. Teus olhos não enganam, teus olhos não me enganam, nem aos outros, nem a ninguém...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

m

Dizem que, ao chegarmos no fim do topo do mundo, revemos nossa vida em flashes saudosistas com ou sem lágrima no olho, para depois nos lançarmos ao infinito... esperando que cogumelos nasçam no silêncio da esperança.Dizem que antes da chuva, o que se sente é uma grande paz... Dizem que quando uma estrela morre, tudo o que se pode ver é um grande silêncio (o mesmo ocorre na morte de uma grande amizade: ainda enxergo o som das lembranças, mas o volume aos poucos diminui). Quero voltar. Dizem que, enfrentando o futuro, sentimos uma coragem extra-humana para abrir a porta e seguir.  Não quero deixar coisas por resolver guardadas no meu passado. Dizem que a memória apaga o que não valeu a pena. Não quero te esquecer. Dizem que todo fim é um novo começo. Me disseram que eu fui precipitada. Algo me diz que estou fazendo as escolhas erradas. Dizem que quando faltam alternativas, o melhor é apenas continuar. Quero voltar. Quero pedir desculpas, mas não posso me humilhar: eu estou magoada. Eu quero ver o nascimento de um cogumelo... Eu quero as alegorias, quero me jogar ao infinito. Mas larguei um infinito para depois e agora sinto tanta saudade. Dizem que tudo passa, mas não sei se quero que passe.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Da chuva

Chove.
Aqui dentro em minh'alma garoa
de uma garoa fina e fria
triste como o fim do dia.
Nos meus olhos tempestua
como quando a natureza assola
sem piedade
a terra frágil, prestes a desabar.
No meu corpo, ainda não.
Sente-se o presságio da chuva:
o cheiro breve que antecede
a queda do mundo.

Mas eu sei que hoje
será apenas mais uma chuva de verão
daquelas que acontecem
para abrir caminho ao retorno do sol...

domingo, 21 de novembro de 2010

No futuro, vocês vão (in) ver no
âmago do dia, cinza,
floricultura fechada
fachadas desbotadas
parábola triste de fim de dia.

No futuro, encontrarão a primeira
voraz vera
cujas flores enfeitarão a calçada
e os fragmentos do passado.
Na verdade, verão o retorno veríssimo
da vida.


Verão: no futuro, vocês verão
Ver de verde o veraneio
do sol a verter seus raios
sob todos os ângulos, virtuais ou não.

No futuro, um out(r)o-ano
cheio de folhas já escritas
com poemas já declamados
jogados no chão,
o chão de outono que é a
passarela do esquecimento.
Fraqueja, bicho.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sem querer, colei os olhos no espelho quebrado, exposto no meio do passeio. Entre os estilhaços clarearam-se todos os fragmentos do passado, e foi quando eu compreendi. Os olhos atravessando a linha tênue e imprevisível entre o real e o virtual em pedaços, todos os meus medos e todos os eus dos quais já me desfiz cintilavam numa pequena epifania: a terra do amor é insegura, e as palavras são sempre poucas quando o dia já acabou.

Cena a dois, para ser encenada em silêncio num. 3

(palco branco. Lorena e Joaquim)

LORENA - Joaquim, você acredita em astrologia?

Bruna

chorar no chuveiro: as lágrimas se misturam com o banho e ninguém percebe nada.
mas os olhos vermelhos te delatam.


(...)

domingo, 14 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

De costas

- O que são esses olhos vermelhos?
- Estive chorando.
- Por quê?
- Porque o mundo me está doendo.
- Fala sério? Oras, não me diga algo assim! És humana, respeita tua superioridade natural!
- Sou humana mas também sou bicho, respeite minha natureza instintiva!
- Não é bicho, és racional.
- Tenho consciência, mas é da minha consciência que sai o sofrimento. Sendo assim, quase seria melhor ser só bicho.
- Um bicho? Escravizado pelas percepções banais, acossado pelos barulhos do mundo, sempre curvado pelo próprio medo? Só um mero bicho?
- Então assim eu sou! Sinto-me a corsa acuada pelo medo, pelo barulho de passos se aproximando, e quando o mundo dói eu fujo e me escondo no fundo da floresta para chorar e esperar que passe.
- Não és bicho, és humana. Mas és fraca.


És fraca.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Confusão

Escuta essa canção que eu te escrevi
pra te dizer que a tua voz
é algo como o som do Mar...
Algo como o vento sussurrando
e penetrando os meus ouvidos
para encher de cor os meus silêncios vagos.
Escuta essa canção que eu compus
para te mostrar o que eu sei de amor.
Escuta essa canção! Escuta!
Essa música que sai da pena e do papel
pra te provar que sou humana...
Escuta a minha alma em coro
cantando os sinos pra você ouvir
E quando você se sentir sozinho
escuta essa canção.
Fecha os olhos e apenas
me escuta...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

'O meu tempo é quando'

Deseja ir embora e desaparecer mas... Por quê? O que está machucando tanto? Onde lhe dói? Na alma? No corpo? Nesse coração falso que pretende indiferença, mas quer a possessão, quer a preferência, que coração egoísta e traidor você tem, garota de olhos doces! É para sentir menos solidão. Que garras são teus olhos, menina! É para tentar te segurar mais perto, mais... Que olhos doces você tem, garota! É para te enganar e te fazer crer que sou boa e não machuco. Que brilho letal nesses teus olhos, mulher! É para te convencer a vir até mim, escondendo essas fraquezas que me devoram. Que tristeza nessa voz, raposa... É porque eu ainda não aprendi a perder, nem tampouco a disfarçar a minha dor.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Caos

... e o mundo estava me dando tanto trabalho!
E viver exigia tanto perdão...
Perdoar talvez seja o maior dos sacrifícios humanos...
As estrelas brilhando na ponta dos dedos
são as mesmas que explodem e queimam o infinito.
É tão bonito ver o dia terminar e ainda haver luz.
Se pensarmos atomicamente, não passamos de espaços vazios!
Teus olhos, que são da cor do fundo da minha alma,
os segredos confeccionados durante horas de silêncio.
A palavra tem um espírito próprio, por isso nunca é inocente.
A física é platônica!
Quero te levar comigo, mesmo sem saber pr'onde é que estou indo.
Toca a caixinha de música,
me deixa dormir até mais tarde...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

às vezes, meu corpo implora por um alento:
Me deito, permitindo que todos os meus fantasmas me cubram,
e me sinto
tenebrosamente...

abraçada.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dorme
dorme agora, os monstros já pegaram no sono
Fecha os olhos, é só o grilo
do lado de fora do lado de dentro
Descansa esse medo, menino!
Agora o ladrão já desistiu
de entrar na tua casa e te fazer mal!
Sai da chuva, não chove aqui dentro.
Menino, olha esse sol que brilha em você!
Agora o tempo é triste,
mas fecha esses seus olhos lindos
e o tempo passa...

desejo

uma música pura como o silêncio
mas que preencha os vazios
da alma,
que preencha com cor
os escuros do debaixo do cobertor...
Uma pequena epifania
que eu recomponho nos dias de luz:

é preciso cuidar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Hoje vou escrever uma daquelas cartas doídas, com gosto de despedida... Não se desespere se ver uma lágrima escorrendo pelo meu rosto, para finalmente pingar no papel, borrando as linhas e as palavras escritas em letras tortas. Minhas letras tortas, mas honestas como o choro e como a dor do adeus, com alguma esperança de que este seja apenas um até logo...
Hoje, ao escrever uma carta de despedida, percebi o quanto deixei sobrando... O quanto ficou faltando... Sobrou descaso quando não me importava o teu olhar crítico, sobrou silêncio quando me faltou paciência, sobrou incompreensão quando eu disse 'ele nem é meu pai'... Ficou faltando o pedido de desculpas pela preocupação de pai que lhe causei, e ficou faltando agradecer o carinho, a companhia, as mesas do café, as conversas de guardanapo no restaurante, a balinha no carro, a amizade... Ficou faltando o 'eu te amo', ficou faltando devolver um pouco...
E hoje, ao escrever uma carta de adeus, me perdoe por tudo o que ficou sobrando, tudo o que ficou faltando, me perdoe pelas lágrimas e pela falta de abraços... Me perdoe...

Imperativo

       Ata-me
   Reata-me
   Reaja aos meus pedidos
     Pede-me
Impede-me
Peque sem medo de mim!
   Minta
   Me entregue
          Entregue-se sem favores
      Saia
Ensaia-me
Me siga no ensejo da vida
    Vaia-me
Esvaia-se
E siga avante
Sem me saber, em vão.

domingo, 26 de setembro de 2010

A minha vida
é na velocidade do vento
é na rotina do tempo
é no compasso da canção
E quando eu peço calma
É como quem quer cuidado

E quando eu peço cuidado
É como quem pede perdão
por ter errado
as respostas que ninguém perguntou
do limite, do exagero
do medo da morte da vida
do fim do dia de estar sozinha
de acordar e de não ter sentido...

E quando eu imploro cuidado
é que preciso de cuidado
é que a vida está doendo
mesmo se eu não parar de sorrir
a vida está doendo.

E ela não pára,
nem o tempo nem o vento
nem eu posso, mas preciso
eu preciso de cuidado.

domingo, 19 de setembro de 2010

Caotizar o ar
é matéria do vento
Sou abrupta!

Estou do seu lado,
não importa a tempestade...

Mudança de hábitos:

Ver poesia!
Falar com pontos de exclamação!
Abraçar o invisível! 
Cantar o inexprimível!
Querer a felicidade!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Reclamação

Te vi
poluir o acaso 
com suas fatalidades
chover sulfuricamente
sobre as flores esperantas na janela
Cuspir de bile e dor
nos próprios pés
Escutei
as suas lágrimas temerárias
e te ouvi gritando
medo! preconceito!
Não à magnificência da vida...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Da Montanha-Russa

Eu jamais poderei ser o aparelho de segurança: 'Mantenha a barra travada sobre seu colo durante todo o passeio, não tire os pés do carrinho em nenhum momento', não sou feita de ferro e não sou cem por cento hermética... Mas posso segurar as suas mãos bem forte, quando chegarmos ao topo e você sentir medo da descida, com promessas de vertigens e confusões. Eu posso me sentar ao teu lado e te ouvir gritar, e tentar sempre te lembrar que apesar de tudo, ainda existem os aparelhos de segurança, que você está protegida e não vai cair. Eu posso fechar os olhos para o meu próprio medo de altura ou desses chacoalhões, porque eu quero te acompanhar quando o teu medo é muito maior que o meu.
Depois de uma descida, aparecerá uma nova escalada. Olharemos para o horizonte, e talvez haja uma nova queda, e quando você sentir medo quero que saiba que estou aqui do seu lado, esperando contigo o fim do trajeto traumático, quando chegaremos ao plano. Lá você poderá correr, bailar, piruetear a tua poesia e o teu jeito lindo, e eu ainda estarei com você, aplaudindo as suas artes e todos os seus recomeços diários. 
Mas enquanto isso, aperte forte a minha mão e grite o quanto precisar. Estamos a cada momento mais perto dos novos dias de planície!

(Para a menina-aquarela da minha vida, a quem dedico esperança, poesia, companhia e todo o amor.) 

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

E além!

Então, de súbito, ao encarar o universo se expandindo em frente aos meus olhos, gritei: te amo! E ecoei te amo... te amo... te amo... cada partícula de cada poeira cósmica respondeu te amo! E pude ver, instantânea, o amor crescendo em progressão geométrica: galáxias, estrelas explodindo EU TE AMO! Buracos negros se condensando em linhas e linhas de eu te amos magnéticos...
Ao infinito e além!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Bolsa-tristeza

Quando o povo sente fome, ou frio, quando o povo tá na miséria
quando o povo precisa de dinheiro, precisa de cuidado
quando o povo precisa estudar e precisa de atenção
quando o povo tem filho e não tem o que fazer com o filho
Vocês dão: Bolsa família, bolsa educação, bolsa desemprego, bolsa comida,
Bolsas e bolsas pobreza
Todas as medidas paliativas
que não resolveram o medo...

Moços, eu não preciso de uma bolsa-tristeza,
porque acabou o dinheiro
e o guache que vocês colocaram lá dentro desaguou
mas minha tristeza ainda não morreu...
Nós não precisamos da bolsa a tiracolo
descosturando e deixando tudo igual
Nós precisamos poder sonhar!

domingo, 29 de agosto de 2010

Da Capo, appassionata

A tua voz é pianissimo...
Sussurros com harmonia e
a melodia dos melhores dias!
Um carinho affettuoso
Più mosso, più lento
Do teu lado, sou allegro, allegro!
Espero nosso canto em duo
Eu desejo nosso tempo com ritornello
Contigo as horas passam en pressant
Mas passo a semana longe de ti com o relógio rallentano
Quero bis!
Quero o teu beijo em fermata...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Do

Nem por cima
nem de baixo:
quero encarar a vida de frente!
Olho no olho, eu e o mundo
dar a cara a tapa
E se doer,
olho no olho, eu e a raiva
E se chorar,
olhe nos meus olhos
eu e as lágrimas!

Mas não sou deus
e não sou rato!
Eu sou a mulher
que não quer sentir medo
de olhar na alma do mundo
espiar o fundo do âmago
cutucar a minha própria ferida
Sentir dor e acariciar o corte
e sarar o corte e esquecer da dor
- lembrar apenas da carícia e da cura.
Eu sou a mulher
feita de palavra, papel, saliva
feita de olhos que
de curiosos
matam e morrem, mas olham
de igual pra igual
(eu e o mundo)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Megalomania

Meus sonhos são tão enormes
Que não couberam só na noite
(É por isso que me vês distraída
distraída pela rua: sonhando...)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Essa liberdade de olhar pra você e dizer eu te amo, apesar de todas essas mudanças, apesar da minha facilidade para machucar e ser machucada, eu te amo porque você não tem medo de mim e porque eu não tenho medo do que você me esconde, mas a liberdade corre pouco e não me alcançou: o temor de acabar sozinha dizendo eu te amo pro vento - sem nenhuma resposta - acaba me tomando de súbito e eu fico em silêncio, sem saber nem como respirar, se o próprio ar dos meus pulmões quer dizer eu te amo, apesar de faltar ar e sobrar espaço vazio, se minhas mãos querem segurar nas tuas dizendo eu te amo, apesar de não caber direito, se meu corpo quer dizer eu te amo mas te amo sem preconceito, eu te amo sem falar nada, eu te amo porque nem sei direito o que isso significa, eu te amo porque eu não sei o que eu significo, eu te amo porque você mistura tudo que eu gosto e me intriga e eu te amo porque isso quer dizer liberdade e liberdade é quando falta a censura e sobra o desejo.

Bloco de notas

A felicidade é tão instável e inexplicável quanto o ozônio.

A decomposição da felicidade é tão fácil, assustadora e cheia de terríveis consequências quanto a do ozônio.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Mensagem aos poetas

Mas poetas
por que insistem em xingar
os longos, deliciosos
beijos de amor
nomeando-os
'idílicos ósculos'?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Hermes grego como a garrafa térmica
Hermes, o grego potinho de feijão
Ou ti, hermético como o grego
silêncio das mensagens enviadas
Intransponível, secreto
E me desvia, despista, confunde
Hermes grego e o mistério da Antiguidade.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Do amor

O amor é veneno. Amar deixa o mais soturno dos humanos ébrio. Eu, que costumava medir minha postura, conter meus gestos, eu, que costumava falar baixo e respeitar as leis sociais... Amei. E então tornei-me samba, tornei-me o batuque a decibéis ensurdecedores, eu amei e abri os braços, perdi o medo da altura, subi na corda-bamba rindo, deliciando-me de festa, prosa, música. Como amava, pintei as paredes com cores vivas, pendurei fotos na parede, acendi todas as luzes. Mas o homem se trai, me traiu e foi embora, deixando apenas a lembrança da canção, e da festa sobrou a bagunça para eu arrumar, todas essas luzes atrapalhando meus olhos, multas por não ter abaixado o som depois das dez, contas a pagar, copos e pratos e fotos para eu jogar no lixo... sozinha... e ainda hoje vivo amedrontada me equilibrando a 20 metros do chão, de cima dessa corda-bamba, de onde ninguém se dispôs a me tirar... Amor é veneno.

Do desconhecido

Sou o sótão da casa. Escuro, inacessível, entulhado de passado - já reparou que sempre ocupamos o sótão com passado? A forma de vida em mim é rastejante (sou quase inóspita...), e talvez você reclame que, do seu quarto, escute os passos pesados dos monstros que me habitam. E, com certo escárnio, posso explicar: liguei auto-falantes capazes de aumentar o menor ruído em um grito dilacerante. Portanto, enquanto minhas formigas passeiam pelo assoalho, você se contorce de medo, prometendo jamais vir aqui. E é assim que me protejo, criando para você uma imagem terrivelmente distorcida da minha pacata e tediosa existência, te dando medo, muito medo, quando sou apenas... silêncio.
Não posso amar agora. Por enquanto estou repleta de mágoas, de promessas não cumpridas, de um passado colado na sola do sapato. Não consigo sequer conceber a ideia de amar hoje. O amor precisa de espaço, e minh'alma está com os armários abertos e revirados, os móveis foram tirados do lugar e existem cartas e fotos antigas espalhadas pelo chão. Há meses não se abre uma janela ou se tenta varrer o âmbito. E nem hão de tentá-lo: não quero pensar em amor.

Apelo

Não, eu não posso te fazer feliz! Eu sou infeliz demais para fazer alguém feliz! Eu estou te enganando, perceba por favor que estou dissimulando esta alegria, ela é falsa, sinto dores terríveis na alma, estou colada no passado e sofro por ter ficado pra trás, eu sou triste. Sou triste. Sou triste. Você não tem nada a ganhar em mim, sou inóspita. Sou boba, rasa, traíra. Minha própria alma não me aguenta mais. Desista, imploro, eu sou pura propaganda enganosa. Não sonhe comigo, não pense em mim, não pense que o que aconteceu foi sublime, não se machuque, por favor, não se magoe. Eu sou uma mulher cética, arranhada, e deixei crescerem as minhas unhas para poder arranhar também. Eu vou usar as minhas armas e vou ferir você. Por favor, foge agora, sou animalesca, sou destrutiva.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Olha ali! Olha atrás da janela
Está chovendo?
Ventando tanto que as cortinas voaram, te deixando desprotegido?

Percebe, isso tudo que você enxerga agora
São alguns quilômetros de agora.

Aperte os olhos, tente ver além:
Não conseguiu? Lá na frente é muito escuro?
Pois você acaba de contemplar
O teu misterioso futuro, que te reserva milagres intensos
mudanças na rota, uma árvore com maçãs no topo
Pessoas surpreendentes te acompanhando e oferecendo luz...
A lembrança fosca de alguém que te machucou muito
(E nada mais que lembrança fosca!)
Nenhum arrependimento e imensa vontade de viver!

Pois estar vivo é se permitir subordinar
às circunstâncias, aproveitar delas o que lhe engrandece
Moldá-las e por elas ser moldado
para continuar brigando pelo enorme pedaço de felicidade
que lhe pertence!



(Para o Gutinho, que merece muito!)

Cena a dois, para ser encenada em silêncio num.2

(Fim de tarde, beira de um rio. Joaquim e Lorena assistem o ocaso)

LORENA - Olha que lindo, Quim! Hoje eles capricharam no espetáculo! Me parece que as cores no céu querem dançar, estão mais vivas que nós!
JOAQUIM - Nem me fale! Ainda bem que nos permitimos fugir para cá hoje, tiramos a sorte grande de presenciar este pequeno milagre, talvez o pôr-do-sol mais bonito da minha vida!
LORENA - Quim, o que será que define quando acontece algo majestoso como esse sol se decompondo em todos os tons e sobretons do mundo? O que rege as pequenas maravilhas que acontecem no céu? Será a física?  Serão deuses pintores, pincelando as nuvens com poesia? Serão os astros, a posição das estrelas no resto do universo?
JOAQUIM - É mesmo... por que temos hoje este desfilar exuberante para assistir e ontem o sol se pôs em silêncio, como se ele - ele mesmo! - estivesse triste? Isto é intrigante...
LORENA - Certa vez me disseram que esse tipo de movimento natural atípico é resultado de um grande amor que acaba de nascer. Ou seja, ao nascer, o amor promover vida até nas nuvens, inspira até o sol, e então presenciamos um fim de tarde como o de hoje. Portanto, se agora estamos vivendo essa magia, é porque há pouco, em algum lugar próximo daqui, acabou de nascer um novo grande amor. O que você acha, Quim?

domingo, 25 de julho de 2010

Hilda,

Eu sou a garota que finge. Sou a garota que foge porque dói.
Vou lhe parecer feliz, mas estou estraçalhada.
Minha garganta estrangulada pela poluição, pelas incessantes mãos que teimam em abraçar, matando-me aos poucos, mas estarei cantando - talvez até digam que sou afinada,
porém tenho a alma da guitarra quebrada pelo rockstar:
saudosa e para sempre em pedaços.
Eu sou, Hilda, a mulher que espera, que anseia
dissimulando a incompletude ao assumir atemporal
que eu me basto,
quando tudo me falta.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

João Pedro

"(...) E foi naquele e-mail que eu abri meu coração, joguei a minha alma lá dentro: eu finalmente disse tudo pra ela! Quer dizer, eu disse quase tudo... só faltou o essencial."

quarta-feira, 21 de julho de 2010

MANIFESTO COLORIDO I

Cansei-me dos dias chuvosos
- principalmente os que chovem apenas na alma -
cansei-me do peso de empurrar a vida sozinha
como quem de fato carrega o universo no ombro
Cansei de sentir tanta tristeza
por motivos que nem sei direito quais
Estou farta de esquecer o bonito
o leve, o sublime. Estou farta!
Então combinei com as nuvens
E com as árvores, e com as luzes,
e com o violão, e com as ruas,
Que vamos transformar tristeza em carnaval!
Pintar o mundo de novo,
ligar a música muito alto
E vamos desfilar na rua: qualquer alegria!

Convido-te, leitor impaciente
Imploro-te! Traga a tua alegria
Vamos carregá-la juntos! Vamos expô-la,
Venha comigo contagiar o mundo!
Vem, leitor, esquece um pouco
da dor, da parte sombria,
Vem comigo dissuadir a raça humana
dessa tristeza terrível!
Vem ao meu lado,
vamos carnavalizar?

MANIFESTO COLORIDO II

Quem inventou o concreto? Quem inventou os postes de iluminação que nunca acendem? Quem foi que decidiu que as cores bonitas são preto, cinza e marrom? Vamos, entreguem-me os culpados! Quero olhar nos olhos do frio que inventou de tirar a cor do dia. Quero olhar no fundo dos seus olhos, que devem ser tristes como o escuro inabitado do fundo do mar. Eu quero poder dizer: 'senhor, me desculpa a indiscrição, mas é mesmo necessária tanta tristeza?', quero poder, com as mãos e o coração abertos, chacoalhar essa infelicidade cinza e algum coração, quero instituir um Estado novo, no qual as paredes do corpo, da alma,estão sempre pintadas com cores vibrantes, para que a tristeza se sinta acuada, desconfortável, e não queira nunca mais voltar.
Enquanto ecoarem essas notas pelo salão
As notas de uma valsa inacabada
Você poderá ver as estrelas cadentes na palma da minha mão:
Vestir-me-ei da cor do céu
E as estrelas pendurarei nas pontas dos dedos,
como com fantoches.
Maestro! Apague as luzes e retumbe sua canção!
Aos olhos perdidos, sigam os passos do balé!

Alguém, por favor, complete a valsa
(que por enquanto é infinita)
Para que eu saiba o momento exato
de dançar o último passo
alinhado ao último acorde do mundo:
quando as estrelas finalmente se apagarão
para que eu possa dormir em paz...
Existe nos seus olhos um brilho diferente
Um brilho de alma ansiosa
o brilho de quem está prestes a viver um novo amor...

Enquanto meus olhos
tantas vezes tristes
olhando para o lado errado
(o lado do passado)
meus olhos sem expectativa de vida...

Os meus olhos não merecem a sua santa
renovação rebuliçosa...
- Um dia você vai me perdoar?
- Por quê?
- Por ter te machucado tanto... Há muito eu não olhava no fundo dos seus olhos, e hoje, que estamos novamente só nós dois, posso ver. Nos seus olhos há um brilho fosco, típico de quem já chorou muito, esfregou as pupilas para arrancar de uma vez por todas a esperança,
- E mesmo assim falhei.
- , e o sorriso triste de quem tentou continuar a vida e não conseguiu.A tua pele está inteira, mas você transparece todos os machucados que eu fiz na sua alma. Me perdoa?
- Não foi você que me machucou. Fui eu, foram as circunstâncias, foram esses dias cinzas, da cor das suas blusas de lã, esse vento doce que por vezes trás até mim o seu cheiro, o seu hálito respirando tão perto... Eu me machuco porque me permito te amar tanto. E você me perdoa por amar tanto?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Da insônia

Essas horas silenciosas!
Ah, como é difícil lidar com a própria demência!
Não saio da cama: reviro-me por dentro
As sombras dançam balé com as minhas memórias
durante as noites sem estrela nem sonho.
O mancebo repentinamente tomou tua silhueta
e acreditei que você vinha me ninar!
Há uma luz que pisca e um relógio intermitente
Quero desligar o mundo da tomada!
Do outro lado, o seu piano toca suave melodia
E minha alma pagã quer dançar o ritual do seu som
agitando o meu corpo...
Ó, alma minha, me traíste novamente!
Esqueceste que só poderá dançar sobre o piano
enquanto eu estiver a sonhar com isso?
Não me ame. Ou me ame. Por favor, me perdoe por ser tão confusa. Me ame porque quero muito ser amada. Me perdoe, por favor, por ser tão egoísta. Não me ame porque estou armada e vou te machucar. Me perdoe, então, por ser terrível. O que devo querer? Que você me ame ou não?

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Do Novo

Ficou paradinha, no canto escuro, seguro
por horas, dias, vidas a fio.
Ficou sofrendo as perdas que não viveu
ficou perdendo a própria essência para a dor...
Sem esperança de se recuperar da vida.

Mas chegou uma mão doce, macia
que lhe chacoalhou a alma
espremeu, bateu no liquidificador
bateu na varanda e deixou ao sol pra secar.

Agora minh'alma só quer passar o resto da vida
descansando sob seus braços,
aninhada pelo teu calor, amparada por um tal de novo amor.

domingo, 18 de julho de 2010

Não me fale em arrependimento! Se me disser que você se arrependeu eu bato em você até quebrar os seus ossos frágeis, te jogo de cima do mundo, quebro as louças, a bicicleta, rasgo os papéis, destruo o computador, risco todas as palavras, queimo as suas roupas e a minha pele (pois um dia desejei que fossem a mesma coisa), eu grito tudo que tenho guardado debaixo do diafragma, eu cuspo na sua cara e choro na sua frente (...)

Da esperança

Com qual voz poderei me perdoar por estar constantemente me traindo? Desejo tantas coisas que não posso ter, pois já as perdi... e não deveria estar revirando o lixo, abrindo os túmulos do cemitério atrás de vida, pois tudo que encontro é putrefato e me machuca. Eu sei que vou me arranhar até arrancar sangue, e ainda tenho coragem de pedir perdão por esse masoquismo que racionalmente promovo: a esperança é uma loba tola que permiti entrar na minha casa, a loba que jamais desistirá de coçar sarna, mesmo que meu corpo esteja em carne viva.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Eu queria tanto ir embora.
Eu senti um desespero terrível de existir,
uma angústia enorme de ser quem eu sou
(ah! os humanos e suas angústias enormes...)

Mas hoje choveu na varanda de casa
e eu descobri que era só secura:
saí correndo, por instinto
e permiti que a água escorresse...
Foi a água da chuva que lavou minh'alma
Foi a água que arrancou o rancor,
Foi ela que me tirou desse suicídio temporal.

Foi a água da chuva e alguém que me estendeu a mão
oferecendo uma toalha e um 'eu vou com você'.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Classificados: apatia

usada, traída, raivosa, infeliz, angustiada, despertencente, inflamada, monstruosa, terrível, destrutiva, autodestrutiva, mortal, suicída, desalmada, largada, acomodada, triste, falsa, infecciosa, doentia, obsessiva, deixada para trás, má, inválida, usada, magoada, solitária,
tudo isso dentro de mim, pulsando dentro das minhas veias, e implora-se terrivelmente por alguém que tire de dentro de mim tanto sentimento ruim. Não é necessário trazer nada bom, quero apenas não sentir nada. Suplica-se uma alma boa que me traga o vazio.

Autoflagelo suplicante

É porque eu às vezes sou má. Eu desejo te fazer sofrer, te espetar, te deixar perdido, sem saber o que foi que você fez. Às vezes eu queria te ver chorar, se afogar dentro de uma dor sua, só sua. Mas eu sou incompetente: não o atinjo, nunca ajo, apenas desejo. Eu sei que eu sou um monstro, e já não consigo me perdoar. Eu não posso me perdoar porque se eu só me machucasse, me traísse, mas não relasse um dedo no seu espaço, se eu fosse capaz de apenas desejar o bem aos outros, sempre, apesar de me matar aos poucos, eu mereceria compaixão. Mas eu sou má. Eu sou má e quero jogar nos outros a minha dor. E ainda tenho coragem de implorar pelo perdão alheio, apesar de saber que eu não mereço. Eu tenho coragem de advogar uma causa própria suja, roubando por saber que os que me perdoam por existir o fazem apenas porque não sabem o que eu sou.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Faz-me uns favores:
1. rouba minhas palavras
2. apaga do teu rosto as linhas
3. tira da pele este branco de papel
4. esconde de mim a tua poesia latente

Assim não preciso ter medo
de esquecer as regras sociais, os bons modos
e rabiscar os meus poemas
nas linhas delineadas pelo teu corpo
pela tua face,
Não terei medo quando você chegar perto
de não aguentar
e gritar, com as palavras que tenho cultivado,
gritar na tua pele tudo que eu tenho vontade de dizer.

Porque você iria embora
para tomar banho...
e deixar a poesia que lhe descrevi
escorrer junto com a sujeira do dia
E sumir para sempre, atrás do ralo...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Lasciva

Eu bem sei que isso não é amor,
e, apesar do meu romantismo racional implorar para que eu seja toda pelo amor perfeito, que eu me contente em idealizar perpetuamente a chegada retumbante de um príncipe, para quem guardarei o corpo, os meus segredos e mistérios,

as minhas mãos tomaram frente e já abriram todos os botões.
De repente uma faísca e dali nasceu uma nova realidade: você se multiplicou em tantos e um fogo rascante cresceu ao meu redor e uma orchestra caótica retumbou do fundo, tocando uma daquelas músicas tão perturbadoras que não nos permitem pensar e dali não pude mais que assumir esse ballet lascivo e apedrejado onde onde quer que eu fosse havia fogo para me queimar ou você para me magoar e eu, por reflexo, me afastava de ambos, mas por encantamento me encaminhava a ambos e não havia por onde escapar dessa música terrível ou desse fogo queimando ou de você me olhando como quem convida novamente a uma última valsa...

E tudo isso dentro da minha cabeça.

domingo, 4 de julho de 2010

Não se engane!

Sou dona de uma alma apaixonada
com brilho nos olhos,
que aguardaria a vida por um grande amor...
Mas meu corpo não espera:
ele urgentemente deseja.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

auto-herege

Não me pergunte minha opinião!
Fiz promessa para santo que nem existe
Esqueci seu nome e não paguei!
Os deuses até agora me têm como
"PROCURADA, DEVEDORA!"
Mas eu sei que estou protegida
porque de lá para cá mudei tanto
de rosto
e de opinião
que nem eu me reconheço
se olhar a foto exposta
no Colosso dos meus deuses!

Aliás, nem eles mesmos sabem
se ainda existem
ou se eu já mudei de ideia
e parei de acreditar!

Do Mar, da Grande Nau sem rumo

Viver é, para sempre, a Grande Navegação.
Nasci dentro da nau, sem ser comandante.
E desde então tenho lavado o convés
e remado contra o vento...

Mas toda noite me deito no chão do barco
e sonho, olhando para as estrelas,
com o dia em que chegarei nas suas terras exóticas
para conhecer teu povo, tua família...
Eu sonho com os horizontes do dia seguinte
apenas para esquecer
Do corriqueiro risco de um naufrágio
das tormentas, tempestades que,
em alto-Mar, são tão terríveis...

Para esquecer dos monstros
que por tantas vezes perturbam minha paz
como quem lembra aos que festejam:
não tirem de vista que a vida é triste!

O Mar é pouco para os meus sonhos,
mas eu sou tão pouco para o Mar...
E eu vou aos poucos coletando as minhas lágrimas
para, com elas, aguar a semente
de uma vida que ainda espero renascer.
O confessionário do poeta é o caderno
O confessionário do músico é o piano
do pintor, o quadro branco
da minha mãe, o escuro do banheiro
da criança, o travesseiro

Vê que não existe vida se não pudermos
em silêncio, contar todas as tragédias
da nossa própria e pequena existência?

(Constatei também que, quando se fala em confissão,
os padres já saíram de moda!)

Pessimismo

Não acredito em maciez
Mãos não existem para acariciar

mãos são
muito osso
e pouca
carne.

Do poeta

O poeta é a alma ambígua
que tirou das costas a balança do mundo
para reclamar seu próprio peso
ante a realidade.

Pequeno e doce segredo

Para mim, comer mexerica é um ritual sacro:
preciso me concentrar, fazê-lo sozinha.
Começa pelo cheiro
falamos tanto do cheiro, mas nunca paramos para apreciá-lo:
é mágico!
Os poros de uma mexerica concentram um líquido vital
- é vital para mim!
E descascá-la tem de ser feitos aos poucos: é uma fruta púdica.
Em cada gomo, as fibras tentam esconder o segredo
Tenho de retirá-las, fiapo a fiapo,
abrir a pele, retirar o caroço, e então, atingir a alma
Você já viu o interior do gomo?
É a medula exposta de um corpo que se abre, aos poucos
A mexerica é a única fruta completamente feliz:
cores, cheiro, sabor, tudo conspira para completa alegria.
Há, na doçura laranja da mexerica, todas as respostas da metafísica.

Do piano

No canto da sala, veja:
há um piano, acredito que você esteja ouvindo
as teclas implorando por uma mão
que ofereça carinho, um afago e uma nova canção
às vezes até as teclas brancas queriam ser sustenido
Por mais torto que seja o som, é tão bom ser diferente do que se é!

O piano precisa do pianista
para sair de seu lugar-comum de silêncio, 
a beleza amadeirada e estática.
O pianista precisa do piano
para sair de seu lugar de ser humano triste
incompleto
Não há pianista que não seja um pouco incompleto, 
porque a música do piano precisa preencher vazios.

Não se incomode com meus olhos cheios de lágrimas
Corra ao piano, solte o grito que tem abafado
Eu saberei que a música sai da sua garganta,
mas vou fingir estar emocionada com a dança dos dedos entres as teclas

ou, apenas, por estar presenciando o espetáculo de um grande encontro.


sábado, 26 de junho de 2010

Barroco

O seu cabelo tem cachos lindos...
Cachos de anjo.
Mas pode-se perceber que os círculos louros são
quando você extravasa esse seu sentir
tão barroco, tão confuso,
cheio de conflitos: ser, estar, amar, lutar direito
ou o não de tudo isso!

Às vezes queria poder te alcançar
esticar todos os braços, romper as fronteiras
são tantos estados que nos distanciam!
Às vezes queria poder te conhecer
fazer cafuné nos teus conflitos,
enrolando os meus dedos nos cachinhos
pacientemente desentravando os nós,
um a um...

sábado, 19 de junho de 2010

Fragmentos

Eu preciso falar porque certa vez me disseram que falar salva. Mas e tudo que já foi deixado para dizer mais tarde? Como eu organizo essa bagunça sem derrubar as estantes? Como é que se coloca em palavras um sentimento que se acumulou tanto que não há nada para ser dito?
(...)
Vou dizer que eu estou infeliz? Que, pior do que isso, tenho sido infeliz?
(...)
Que, quando acabam as piadas, há um ser humano se sentindo terrivelmente sozinho aqui? Que estou inconsolável, sem ver motivo em nenhum dos meus movimentos?
(...)
mas por trás desse caderno de exercícios há um ser humano esgotado de tanta frieza. Um ser humano que oferece tudo o que tem sempre que pode, e até quando não tem, e até quando não pode, e de volta espera um pouco de paz, mas não encontra.
(...)
As minhas feridas estão todas abertas e ninguém tem o menor pudor ao passar os dedos sujos nessas fendas, ou o menor trabalho de me ajudar a estancar o meu sangue: sou eu, mordendo o travesseiro, molhando o pano com álcool, desinfetando os cortes, gritando sozinha no chão do banheiro.
(...)
Eu agora que aprenda e viver com o que sobrou de mim: perdi a guerra. O perdedor nunca merece nenhum auxílio. O perdedor não merece sequer um olha de pena (nem pena, o pior dos sentimentos!), sequer uma mão estendida. O perdedor tem apenas de pagar a conta, apagar a luz e fechar a porta atrás de si, fingindo que sobreviveu.
(...)
E agora? O que eu faço? Continuo esperando? Ou apenas escrevo milhares de palavras sem nexo? Sem nexo e sem cor, apenas crendo que talvez escrever também salve. Pelo menos jamais poderão prender minha mão como me amordaçaram a boca, para não me ver gritando, cuspindo ódio, fogo e veneno.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

É feito de lágrima isso que você olha, olha, e pensa que são diamantes no meu rosto. E insiste que é beleza, quando eu sou tão triste...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da vida

"EU PRECISO DE VIDA", ela gritou ao mundo, sentindo as urgências descontroladas no plexo solar. Se ela gritasse alto, muito alto, será que ele escutaria, protegido do vento entre as quatro paredes do próprio coração? Ela não ligou para o silêncio, e gritou mais, e mais alto: "EU ESTOU VIVA! EU POSSO VIVER DIFERENTE", e poderia correr as maratonas, mais rápido que o próprio sangue bombeado no peito. Ela não pôde aceitar que então era só isso, tão menos que os poetas lhe haviam prometido. Engoliu a decepção de não ter com quem se dividir, pegou as tralhas que a alma pediu, e foi embora, sem sequer dizer adeus.

Cadê eu?

Estou perdendo a vontade.
Onde está a minha coragem
de subir ao palco sem fechar os olhos,
irritados com a iluminação?
Cadê o meu desejo
que subia da coxa, como uma droga no sangue?
Alguém viu meu tesão pela vida
por dar a cara a tapa,
mesmo quando o tapa é certo?
O afã de ver o sol se pondo
e por vezes sentir a chuva na pele
Crendo que viver é entregar o corpo
no limiar das horas,
cadê eu?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Classificados

Procura-se um novo amor
que vai passar água boricada em tudo que é ferida,
tirar as faixas e os curativos para mostrar a mim
e ao mundo
que ainda estou viva, que ainda acredito...
Procura-se um novo primeiro amor
(todos têm em si algo de primeiro)
que sinta a urgência do amor que nasce
Procura-se um amor que seja urgente, latente,
batendo na porta e derrubando as estabilidades
das pernas, do peito, dos olhos.

Procura-se com cuidado,
em cada vão, em cada vinco de sorriso
um daqueles amores que estão prestes a acontecer,
e quando acontecem,

ah,
quando acontecem...
Nos fazem sentir como da primeira vez.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Patologia

Está com o corpo ardendo.
O estômago ferve.
O calor sobe pela garganta
e você diz que é só azia?
Os poros explodem,
minha pele chega a queimar os teus dedos
que passeiam responsavelmente na testa, na nuca, no pulso
(segura-me pela cintura!)
Mas você me diz que é só febre?
Há água escorrendo dos meus olhos
escorrendo, vazando, caindo ao meu colo
ao teu redor,
e você me diz que é só a vista irritada?

Você me diz só isso?
Pois eu acho bem mais!
Eu acho que isso aqui
é
vida.

domingo, 13 de junho de 2010

(...)

Eu, no meio do caos, entre as explosões que vêm e vão, dentro de um filme em que as balas passam e passam raspando, bagunçando meus cabelos, arranhando a pele. Eu girei, rodopiei nesse balé clássico de confusão, destruição, a tua dor e, mais ainda, a minha própria dor por existir entre tanta atrocidade, as minhas lágrimas dançando no ritmo da bomba caindo ao chão.
Eu, no meio do caos, perdida, sem encontrar apoio, sem achar alento ou um vão para me esconder, e tanta morte ao redor, e tanto medo dentro de mim, que os olhos reviravam num balé terrível, a boca se contorcia de terror e eu me deitava para fingir que o tempo passaria para mim como passava para os mortos.
E o tempo passou, as risadas e o afã cessou, os barulhos de bomba e a valsa que eu não pude participar, e eu percebi: Eu sobrevivi! E estou viva (talvez não ilesa, mas viva)! Estar viva é só isso? O corpo pulsando, reflexos,  ar?
Não, estar viva é tudo isso!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Promessa de vida

Minhas palavras não cabem nas linhas que você desenhou: são frias e duras, como as suas mãos. As minhas palavras não são tão fixas! São olhos cujas pupilas hora dilatam, hora contraem. Às vezes acordo triste, silenciosa, falo baixinho pra ninguém ouvir... Outras o mundo grita e grito eu, alto, alto, que te amo! Que quero diferente! Que estou perdida! Que sou uma bagunça...

Fé de fênix

Há em mim feixes de esperança, que por vezes fenecem, fundidas no coser dos dias, desse cotidiano fatídico de dias sem sol nem sombra, sem cor nem crença. Os fatos são feios, os mundo é feio e falso nesses dias, e não há felicidade a oferecer. Feito um fraco amor, farto do cansaço, da monotonia, acaba antes do ocaso, sem dar chance ao feitiço das cores...  Porém, eu sei que o fado da fé é cíclico: fora ao dissabor da vida! E fecunda-se, no túmulo de concreto, o bojo do meu coração, fazendo espetáculo fascinante: floresce em minh'alma, e o favo do mel, e o jorro da água, e o brilho do bicho novo, a desejar tudo que vem a seguir: É a fênix da fé, brilhante e fugaz, sem memória e sem desprezo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Do medo, da grande tristeza do mundo

A minha tristeza não é minha.
A minha tristeza é toda a tristeza do mundo.
A minha tristeza é
o medo da morte,
de existir, apenas, sem viver o suficiente,
de sentir dor, de todas as dores que existem.
De acomodar na incompletude, quando não se pode ser incompleto
de acomodar o tempo todo e continuar
com fome, no vazio, com preguiça de ir buscar o cobertor
sem amparo, sem aparar as sobras.
A minha tristeza é quando sou incapaz de olhar nos olhos
e assumir que está errado, que preciso mudar,
assumir que morreu e eu continuo viva,
assumir que estou me escondendo...

sábado, 5 de junho de 2010

Antigamente aqui era o mar.

O meu peito foi um cais, onde as ondas pulsavam
e a maré tremia conforme a lua.
Havia barcos e o mundo era bem-vindo:
Trabalhadores, turistas, curiosos.
Mas a poluição, os dias de chuva,
esse vazamento impermeável de petróleo
destruíram a vista para o mar...

Hoje há apenas a ressaca
e um grande silêncio inabitável...

domingo, 30 de maio de 2010

O parto e o poeta

Cada palavra escrita pelo poeta
é um parto que este exerce 
Das juntas dos dedos, abre-se uma fenda abissal
E escorrem sílabas, frases, metáforas
Ele olha emocionado 
e vê que acaba de criar um ser vivo
Vivo, respirante, ofegante!
O poema é como um filho que se entrega ao mundo
Que se cria, a quem se dá carinho
Não há poema sem amor...
O poeta chora,
pois ali está um pedaço dele, um filho,
a sua genética, as suas palavras. 
Por mais que não descreva o poeta,
o poema é sempre o poeta.

Por isso o rascar da borracha contra o papel é sempre uma ferida
Que nem sempre cicatriza
E as bolinhas de papel jogadas no cesto de lixo
são abortos tristes, do que o poema viria a ser...


sábado, 29 de maio de 2010

Denise

"A cada verbo que você conjuga, você diz ao leitor que o tempo está passando."

Tenho conjugado tantos verbos!
Escrevo em pedaços de papéis,
os verbos que eu queria na minha vida
e os verbos que acabei de inventar.
Flexiono-os em tantos tempos
quanto posso lembrar, sem cartilhas
Tenho nesses verbos a maior esperança
de ver um relógio que existe em mim
produzindo tiques sonoros
ao marcar as horas andando
e eu marchando... em direção ao futuro!

Eu tenho dissecado os verbos diariamente
mas esse tempo do qual tanto preciso não quer passar...

Metáfora

Há uma rosa deitada sobre meu colo.
Me pergunto:
É melhor quando as pétalas caem,
uma a uma, até o fim,
ou quando a flor, silenciosamente,
murcha
resseca
enverga
e morre?

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pedido de despedida

É muito simples:
eu te quero muito.
Eu te quero demais...
Tanto que lhe imploro
para que vá embora da minha vida.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quem sou eu:

Sou toda latente:
tudo em mim está prestes a acontecer, talvez você possa ver;
Altamente desabável;
Minha alma é mais míope que meus olhos.

Para Alberto Caeiro

"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos.
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dias de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz."
(O guardador de Rebanhos - Alberto Caeiro)

-

Em aula de Literatura
respondo às perguntas de análise
do fundo do teu texto:
Tenho de desmembrar as suas sensações
Dissecar você deitado na grama
Racionalizar o teu poema.

Mas você não tinha dito
que pensar é estar doente dos olhos?
Por que tenho que pensar sua poesia?
Quero senti-la!
Quero eu deitar-me na grama contigo.
E me sentir feliz ao teu lado
Sentindo - apenas sentindo! -
o sol no corpo.

Terei de fingir:
respondo as perguntas como se te analisasse
enquanto, por dentro, sinto
E apenas sinto.

domingo, 23 de maio de 2010

O Cemitério Terrível

As tuas palavras enterradas
e eu periodicamente insisto em voltar lá, com flores nas mãos 
e lágrimas nos olhos,
reler tudo o que foi escrito: um testamento em preto e branco,
(mas também a certidão de nascimento)
as cartas que nunca foram endereçadas, mas nós já sabíamos...
Existe naquelas palavras o poder de remexer as cinzas
e eu sinto como na primeira vez que as tinha lido
Mas minha alma se enfurece e eu choro... 
(À primeira vez  a minha alma apenas estremeceu... e eu chorei...)
Eu entrego as flores, derramo algumas lágrimas
procuro os sinais de que era mentira
E corro, arrependida: 
O que estou fazendo aqui, nesse cemitério 
cinza e mal-cuidado
onde está tão triste e sepultado
o nosso findo amor?


Aos edifícios tristes

Tão grandes e tão tristes: o mundo foi cruel aos enormes arranha-céus pairando sob o céu de cobalto... Eles podem tocar o sol, mas jamais conseguirão sequer um abraço! Os prédios que às vezes pendem em direção aos vizinhos, mas são incapazes  de estender um braço e lacear o prédio ao lado. E nós, humanos, tão laceáveis, tão móveis, construímos cortinas de ferro ao nosso redor, para que os outros braços jamais se aproximem o suficiente... Nós somos tristes como arranha-céus.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Aula de Física

"A estrela do Cruzeiro do Sul mais próxima da terra está a 59 anos-luz de nós. Quando olhamos uma estrela, vemos o que ela era há 59 anos. Tudo o que há no céu é passado."
Ano-luz: distância percorrida pela luz no vácuo em um ano (aproximadamente 9,5 trilhões de km)

Vês? Os sonhadores olham para o passado...

Os teus olhos são milenares
quando os encontro entre as estrelas.
Posso passar horas a ligar os pontos
e desenhar seus traços.
O teu rosto
traçou rotas, norteou a minha noite.
Existe uma constelação com o seu nome
A anos-luz da minha varanda,
de onde te contemplo...
Os deuses antigos, os sábios
sempre lhe estiveram estudando:
Sua constelação perfeita
Que tem as estrelas mais
brilhantes
desse universo...
Espero, vó, que o meu abraço não te esteja machucando, pois a fim de te guardar sempre comigo tenho lhe abraçado forte, forte, o mais forte que eu puder. Espero que eu não esteja comprimindo demais os teus ossos frágeis, teu pulmão frágil, mas sinto tanto medo de te perder... E vi que almofadaram as maçanetas para você não se machucar, mas não consigo te abraçar menos, não consigo te largar, vó, te amo e estou com tanto medo...

domingo, 16 de maio de 2010

Minha avó passou mal

"Sabe, Jú, quando eu estava lá, sem conseguir ficar de pé, eu até lembrei do Chico Xavier, sabe quem é o Chico Xavier? É um médium, tem vários livros publicados... E ele conta que uma vez, na década de 70, ele tava viajando de avião - e você imagina como eram ruins os aviões na década de 70 - e o avião começou a chacoalhar e virar de ponta cabeça, e todos no avião começaram a gritar. A aeromoça disse para se acalmarem, que logo ia passar, mas todo mundo gritava, e o Chico começou a gritar também... As moças atrás dele rezando e ele gritando e rezando, até que alguém apareceu para ele - ele era médium, né - e disse 'Chico, o que você tá fazendo?' e ele respondeu 'Eu estou com medo, não quero morrer. Todo mundo tá gritando, eu grito junto...' ao que sua aparição lhe disse 'Chico, toma vergonha na cara, todos vocês vão morrer... Mas morra com dignidade, som sobriedade, pare de gritar'! Eu estava aqui em casa, morrendo de medo de morrer, sem conseguir pedir ajuda e gritando, gritando... Aí eu pensei 'Se for pra eu morrer, que eu morra com sobriedade, sem gritar...', Jú... Eu achei que eu ia morrer, Jú... Não desejo isso nem pra pior pessoa do mundo..."

sábado, 15 de maio de 2010

O que era uma parede hoje é janela, num canto recém-clareado da minha alma. Hoje eu descobri que é possível: talvez doa enquanto estão martelando camadas e camadas de cimento, mas chegamos ao outro lado e eis que há o sol... e eis que é bom sentir o sol entrando pelas feridas abertas entre os átomos de dor e dor e dor, quando a luz não tem medo de atravessar. Hoje retiramos as paredes e colocamos uma janela sempre aberta no meu peito, você pode olhar através e sentir meu coração pulsando, pulsando, pulsando. Quem constrói casas deveria construir casas de janela, porque não há vida sem luz. Hoje permitimos o amor.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Eu quero uma revolução!
Hoje eu acordaria vestida para guerra
E iria além de todos os outros dias:
Iria para a guerra, com as minhas armas
eu lutaria até o fim
Dentro de mim
Eu iria até o fundo
Me afogaria nesse mar profundo, mas doce, doce...
Eu sou o mar doce.
Me afogaria em mim
para conhecer as fossas abissais da minha alma
os seres vivos que eu sou,
podem até brilhar no fundo...
Hoje eu quero que tudo recomece
hoje eu quero nascer de mim mesma
para mim mesma
Hoje eu queria fazer a diferença...

domingo, 9 de maio de 2010

Construção

Eu, que tive medo de sentir dor
me construí como uma parede:
cobri a alma, o vazamento
as goteiras que escorriam constantes pelos meus olhos
cobri tudo com revestimento colorido
e selei com rejunte
Eu, pra não me entregar de vez,
me escondi por trás dos quadros...

Mas você não precisou de escavadeiras
ou de bombas de implosão...
Seus dedos derreteram o rejunte,
derreteram os quadros, a tinta...
E das fendas entre as pedras
viu brilhar um pedaço de mim que não lhe pertencia
você viu...
E foi embora.

Daonde hoje escorrem as mais verdadeiras lágrimas,
pois a minha alma é uma fratura exposta
na parede que você destruiu.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Eu tenho vontade de comer poesia

Fosse o meu prato de arroz e feijão
uma bandeja de palavras
fosse a sopa
uma cumbuca de adjetivo
fosse a alface
um pronome delicado
Fosse o meu bife
uma metáfora bem construída

Fosse o meu almoço
um belo texto,
fastava-me, fartava-me sem pensar na hora
na congestão, nas calorias
No tempo perdido em silêncio
Esbanjava minha gula
Mastigava lenta e pausadamente

Mas não: olho a refeição
agradeço ao mundo por tê-la na mesa
mas não sinto vontade de experimentar:
eu quero comer poesia...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Torturante

Não abra essa porta. Proíbe-se a entrada de estranhos no recinto. Por favor, não insista.

Pois que entremos pela porta escura, num lapso do vigia.
Entremos num quarto branco, brilhante, limpo, cujo sabor cítrico agrada aos sentidos. Você quase teria vontade de se manter lá dentro, não fossem óbvios os motivos escusos de tanto cuidado.
Encoste a porta com cuidado e não feche os olhos ao que está por vir. Não faça barulho. Não queremos que te descubram.

Olhe ao canto. Verá um balde azul, cheio de água. Verá um rapaz ajoelhado, molhado pela cintura. Perceba que seu rosto se mantém impassível. Perceba que seus olhos estão secos, apesar da água. Não comente com os seus amigos. Não conte a eles como um rapaz não muda de ideia em um lapso de tortura.

Agora veja: essa garota em pé ao lado do rapaz. Essa garota sou eu. Sou eu quem chora com uma dor lancinante, apesar de ter assumido a postura da torturadora. Eu seguro o rosto do rapaz nas mãos, veja como eu estou triste! Enfio-o no balde, e o ar me foge aos pulmões, quanto mais lhe mantenho afogando.

Eu, que não suporto mais a asfixia, levanto-te e me perco dentro dos seus olhos. Secos.

me ame. pelo amor de deus, me ame. mude de ideia, eu valho a pena. me ame novamente.  POR FAVOR, MEU AMOR, VOLTE ATRÁS, LHE IMPLORO, POR FAVOR ME AME DE NOVO.

Os olhos secos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Querida,

"C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore,
Serais ce possible alors ?"



Não. Não, ele não te ama mais. 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Passeando por uma dessas ruas que nunca sabemos o nome
eu vi uma mulher triste.
No primeiro momento, me maravilhei
pensando que ela brilhava!
mas entendi: eram lágrimas escorrendo.
Meus olhos se encontraram nos dela
e ela também me olhava...
Eu não pude me privar de sustentar o encontro
porque uma desconhecida que chora é um choro que não se acalma:
se contempla.

E havia uma mulher triste me olhando com curiosidade,
a mesma curiosidade e a mesma afeição anônima
de uma mulher que vê outra chorando
como quem atravessa o concreto de lágrimas puras e atinge uma alma.

Tentei falar: você quer conversar?
E sua boca me respondeu, mas não pude ouvir palavra alguma.
Você quer ser minha amiga? Quer se dividir comigo?
Os lábios molhados se moviam
e um silêncio que eu não podia atingir.

Desisti, então
e virei meu rosto, a fim de fugir do magnetismo
e vi seu rosto se virando junto, para o lado oposto.
Olhei de novo e os olhos brilhantes me espiavam, apavorados...
Foi então que eu percebi:

estou parada em frente ao meu reflexo no espelho.
A mulher triste sou eu.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Das cores

Existe um espectro de concreto na esquina
dentro dos meus olhos, a vida é cinza
existe uma poeira fina que não desgruda dos pés,
existe uma ausência no lugar da porta.

O asfalto levantou-se do chão e se ergueu sobre mim
num abraço quente, mas cinza, cinza, me queimou
Eu machucada nesse mundo de cimento
Eu que via, mas fingia que não

Só que você apareceu com essas roupas coloridas
e os cabelos coloridos
os seus olhos tristes, mas tão coloridos por dentro
que eu tive de me acostumar com a ausência do cinza
com você por perto
como eu poderia não me apaixonar?

sábado, 10 de abril de 2010

"te ver triste é pior que te ver morta"

não olhe agora, estou morrendo
de tanta tristeza...
o homem impecável disse
'estamos agora testemunhando a presença de Deus'
mas nos olhos fundos de perda, de lágrimas
eu não vi Deus nenhum,
eu não encontrei alento algum naquele homem
e quis socá-lo, eu quis que ele sentisse as minhas lágrimas
porque eu me entreguei aos seus cuidados e
ele me julgou:
eu não estou me vitimizando, eu estou sofrendo.
não estou me colocando num lugar de mártir,
eu estou triste.
Eu só estou triste.

terça-feira, 6 de abril de 2010

190

Me sequestraram.
Por favor, venham me procurar
estarei n'alguma esquina
olhando para as estrelas
ou estendida no chão
- mas não se desesperem! -
sonhando...

Eu tentei um acordo
ofereci dinheiro, casa, carro,
meus jeans surrados
ele não quis me devolver
Tentei fugir correndo
mas ele tem braços longos
não pude escapar

Imploro, me libertem!
Ou eu serei a eterna vítima
a eterna escrava
desse sequestrador sem piedade, inumano
esse sequestrador que me enlouquece
com seus olhos doces

Corram com suas armas,
com sua proteção de fogo
me retirem dos braços
desse amor...

sábado, 3 de abril de 2010

Problema de Português

Júlia Munhoz vê crase onde não tem.
Vê crise onde não tem.

Para Godot

Esperando
um dia novo,
o teu olhar, o meu mundo
esperando a melhora
que eu não posso fazer sozinha
Eu estou esperando
paciente
ansiosa
eu estou esperando com um tremor nas pernas
com um brilho polido de espelho nos olhos
Te juro que estou esperando!
Mas espero surreal
por um Godot que eu sei que não virá
E quando se fecharem as cortinas
me levantarei da espera iluminada
para te esperar na rua, na chuva, em casa
paciente
ansiosa...

Um pêndulo para Foucault

Eu sou magnética:
o mundo roda
e eu rodopio,
rodopio, rodopio e insisto
na velocidade de luz
não poderão me ver
porque eu sou o pêndulo invísivel
eu oscilo em período inconstante
frequência inconstante
oscilo entre o tédio e o sofrimento?
Não.
Oscilo entre você e eu mesma
eu sou o contrário da ausência.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Os adultos dirão que não, mas eu posso afirmar: existe um monstro debaixo da cama. Outro monstro dentro do armário. Outro monstro esperando atrás da porta. Mais um do lado interno do lustre. Os adultos dirão que eu estou inventando tudo isso, mas eu sei porque eu os conheço (os monstros, não os adultos). Quando você está distraída, um monstrinho se esgueira e sobe ao teu ombro, sem que você perceba. Logo todos os outros se empoleiraram ao redor de você, se emaranhando nos teus cabelos e sussurrando baixinho, sussurrando coisas que só você pode ouvir, os monstros lhe entram na cabeça e vão parando o tempo no relógio, tua vida em câmera lenta e você desejando apenas que passe, por favor vão embora! Os monstros não vão embora, eles se alimentarão do teu medo, esse tremor que parte da tua alma e chega como um terremoto incontrolável no peito, na pele, nas pontas dos dedos e você implora que acabe logo.
Os céticos dirão que não, mas por favor acredite: existe um anjo debaixo da tua asa. Existe um anjinho sentado em cima da tua cabeça. Existe um anjo morando dentro do teu umbigo, existe um anjo descansando em cada um dos teus olhos. Alguns dirão que é mentira minha, como se eu fosse capaz de inventar coisas tão sérias! Mas os anjos não têm medo de você: eles estarão lá sempre, independente do seu estado de espírito e são eles que vêm lhe fazer coceguinhas na barriga quando você acha que não há mais nada para se fazer, que lhe darão alguma pontinha de esperança, apesar de haverem monstros terríveis sobrevoando teus pensamentos. Por favor, acredite mais nos anjos que nos monstros, pois os anjos são seu anticorpo.
Como se livrar de um monstro? Ria, por favor olhe nos olhos de um monstro e ria lá dentro, e verá o que acontece, um monstro se dissolvendo e voltando a ser, apenas, o desconhecido do escuro de debaixo da porta. E os seus anjinhos, com suas coceguinhas, com sua esperança, com seu apoio invisível, eles lhe darão tudo para uma boa risada, e o medo vai embora, e o tempo volta ao seu ritmo, e você encontra alguma paz, ou algum bom motivo para continuar.

(Para Cris)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Hoje acordei inspirada: 'vou escrever poesia!' pensei, 'vou escrever a minha mais bela poesia, derrubar os alicerces da minha própria escrita. Hoje vou falar sobre coisas novas, utilizar uma nova linguagem, me revolucionar!'
De lápis em punho e o papel branco, senti o arrepio do que estaria por vir: o papel agora branco preenchido por lindas palavras que eu inventei. Então me permiti ir escrevendo, escrevendo, por horas, horas, descrevendo a paisagem da minha imaginação, explicando a geografia do meu mundo, pincelando meus conceitos de amor, música, filosofia, teatro, horas, horas e horas.
Terminei (não sei se por cansaço ou por esgotamento de tema). Me senti como um grande artista deve se sentir após terminar sua obra prima: não consegui olhar para o papel. Então, com o cuidado de quem abre pela primeira vez um livro que sempre desejou ler, foquei minha letra rabiscada.
me havia traído mais outra vez.
Era:

seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome (...)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Agora era tarde demais. Ela já tinha voado,
mas já tinha caído
mas já tinha levantado

e as pernas quebradas,
o trauma quebrado

e ela quebrada,
mas o coração
pulsando. pulsando. pulsando.

quinta-feira, 18 de março de 2010


Esticou os olhos por curiosidade, apenas para senti-los arderem de ciúme, com uma dor tão profunda que não poderia pronunciar. Foi como uma morte.
Foi então que eu entendi. O lobo é o homem do lobo. O gato morto, caído do telhado. Eu sou a minha loba de garras frias que se morde e se coça e coça a própria sarna e rasga a própria dor, por dentro, para sofrer mas para se perdoar pelos crimes atrozes que cometeu contra si mesma. As minhas unhas apertando a jugular e eu querendo ser a leoa impassível que me mostraria os dentes e me acossaria num segundo, mas eu posso ser apenas a gata de uma vida só que quis saber como era ser pomba e do telhado escorreu pelo pavimento, sem saber que a gata tem mais de leoa livre que a pomba e que a loba se estrangula porque não é mais a mordida ou a sarna que lhe estão coçando, mas algum outro lugar que de cima do telhado não alcançaria. Foi como uma morte.

terça-feira, 16 de março de 2010

A tempo

Ouça: meu coração bate no tique do teu relógio
mas eu não sei lê-lo no teu pulso,
taque
e eu pedindo para você me interpretar as horas
tique
pra você me abraçar,
taque - não me largue no titubear do tempo.

Venha! Mas não perca a hora,
pode ser de você chegar cedo demais
e eu estarei perdida num outro pulso
ou pode ser de você chegar muito tarde
e eu já não vou acreditar em mais nada
e talvez não permita que você entre.

Mas venha,
venha quando puder,
burle as leis do meu mundo
(que ele nem gira no tempo do relógio)
abra as portas: estão apenas encostadas.

Venha, me salve do meu tempo ocioso
das minhas horas de dor
venha, me salve do meu auto-flagelo atemporal
venha... e faça do teu tempo meu tempo.
(que não passará)

domingo, 14 de março de 2010

Etiquetas II

Não passar a ferro
não utilizar alvejantes, amaciantes,
não esfregar sem pudor
não bater na máquina de lavar

Composição:
80% amor
15% medo
3% esperança
2% elastano

Etiquetas

Favor bater na porta antes de entrar.
Favor esperar que os outros se sirvam de carinho, todos precisam.
Favor utilizar o tom sereno.
Favor manter a calma, amar é bom, mas dói, mas passa.
Favor não assustar os transeuntes: a tua dor é como um teu osso, não pertence a mais ninguém.
Favor amar silenciosamente: o teu amor é como o teu ciso, não pertence e mais ninguém.
Favor não trocar a ordem dos talheres, dos pratos, dos dias da semana.
Favor munir-se de bom senso, amor próprio, auto estima.
Favor respeitar o alarde alheio, respeitar a dor alheia, respeitar a falta de boas maneiras alheias.
É de bom tom amar com alguma tristeza, é de bom tom amar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

E se eu fui embora
foi por querer...
pra você ver que isso não era amor,
é só precisão
de um colo quente, de um beijo quente
não é amor!
É necessidade de atenção
eu fui foi pra você pensar
Pra você entender o que eu sou
eu sou é troca!
Eu sou quando todo mundo se divide...
Você pra ele ele pra ti
Entende?
Eu sou quando vocês pecam
e são cúmplices no crime
- e não testemunhas, apenas -
Dar não é amor
Eu sou doação de dois... De dois!
Por isso te deixei:
pra você me entender melhor.

Mas não esqueça de manter
as portas, janelas, os olhos abertos
porque eu volto, garota...
Ah, eu volto logo...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Ermo.
Meu coração em ruínas...
Quieto.
(Morto)

Mas você, como um arqueólogo,
trouxe teus instrumentos e com carinho
(com o carinho de quem encontra uma civilização)
retirando o pó, a cal,
retirando as células-tronco do amor, mortas
Retirando os fósseis submersos
limpando os átrios, as árias,
Você com cuidado
me descobrindo inteira
E eu descobrindo
que, apesar de tudo,
Apesar do pó,
apesar da guerra
que dizimou a população,
apesar de mim...

Meu coração ainda bate
(você desobstruiu a passagem)

terça-feira, 2 de março de 2010

À palavra escrita

Obrigada.
Obrigada, digo mais uma vez.
Muito obrigada!
Tua segurança me transpõe
teu silêncio branco de papel,
teu silêncio limpo
me abre as portas do alento
E quando escrevo em silêncio
é quando descrevo o turbilhão
o caos que são essas palavras
gritadas ao meu ouvido.
Enquanto ouço anjos sussurrando
e num gesto de carinho
me contando bem baixinho
que a paz é pegar o lápis
e escorrer para dentro do papel.
E, afinal, os vazios nem sempre devem ser preenchidos!
Querido,

a minha alma é silenciosa, de um silêncio assustador - que te vai engolindo, engolindo... E é este ser humano que lhe escreve quem, paradoxalmente, morre de medo do silêncio, como se fosse um vazio que precisa ser preenchido quando, na verdade, o silêncio é o que há quando não há mais nada para se preencher, é quando finalmente se atinge a completude.
Portanto não pense que me conhece a fundo por me ouvir falando. Saiba que você me atingirá apenas quando, por um segundo que seja, conhecer comigo um pouco do silêncio.
Os meus silêncios me ultrapassam!
E não será surpresa
se um dia, por acaso,
você ver brotar
de dentre os meus lábios
uma flor que eu cultive
numa roseirinha
protegida por uma redoma.
Uma florzinha
que lhe faça lembrar da tua alma.

Sobre Deus

O meu Deus é
a borboletinha
que mora no centro das nossas almas
e passa o dia todo brincando
de fazer coceguinhas
e, de algum jeito,
nos dar coragem para continuar.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Poemas para o vento sempre são de amor, mas poemas de amor nunca são para o vento.

Peça em um ato

Primeiro ato
(Abre a luz)

Apaixonar-se

(Cai o pano)



(afinal, apaixonar-se será sempre a introdução, o clímax, o anticlímax., o desfecho, a vida...)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Classificados

Procura-se
- desesperadamente -
alguma resposta.
Qualquer resposta que me puderem oferecer
hoje não me preocupo com as perguntas,
se houver uma resposta, 
com certeza ela responderá algo que eu estou perguntando
Porque eu estou perguntando
quanto é dois mais dois.
onde ficam os sonhos quando estamos acordados.
o que é Deus.
se eu estou bonita hoje.
quão bem você foi na prova de biologia.
será que posso ficar em paz.
o que significa 'epifania'.
quem sou eu.
o que significa 'amor'.
se você lembra.
se vai ficar tudo bem.

Implora-se, implora-se de joelhos
por respostas,
por um alento que seja. 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

pequena descoberta

como se o Mar
é como se eu finalmente visse que o mais importante não é o Mar, nunca foi o Mar,
o mais importante foi quando eu nadei dentro do teu Mar
e hoje estou seca, e também é perfeito,
porque o sal do Mar me grudava na pele e eu tinha ânsia por ar, apesar de não querer sair
e o som do Mar é apaixonante, mas por ser repetitivo
eu às vezes queria o silêncio.
Porque Amar foi importante apenas enquanto eu e o Mar
nos amamos...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Procure pelos meus documentos
Meu nome é o mesmo
Os números que me registram?
São os mesmos...
Minhas fotos 3x4
e o meu próprio rosto
(que você pode tocar)
não mudaram nada...

Mas, apesar de nem todos poderem perceber
saiba que eu mudei
Mudei inteira por dentro,
e eu acredito que você poderá compreender...

Os aviões detonaram bombas
e interromperam a sístole diástole
de Mim que corria
pelo jardim
e um pedaço de Mim
não suportou a explosão...
Mas eu sei que você vai compreender.

Das Revoluções

O mundo precisa de pessoas como vocês, que desejam mudar todas as estruturas, destruir organizações do país, vocês que precisam bater panela na Administração, no Senado, no Planalto Central... Eu jamais poderia ser como vocês. Eu quero as pequenas revoluções, quero apenas ser capaz de mudar as pessoas, uma por uma,  destruir as organizações cotidianas que as machucam, quero bater panelas na porta da alma de uma pessoa triste para que, nem que por um segundo apenas, ela se sinta motivada a sorrir...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

De cima de palco, o olhar iluminado pelos refletores e a alma, como uma fratura exposta, escorrendo de dentro para o mundo. A garota vivia o seu momento iluminado pela expectativa da plateia quando seus olhos, por acaso, se cruzaram com os do rapaz que a assistia, silenciosamente. Talvez fosse fascínio o que ele sentia, talvez estivesse envergonhado por estar vendo tanto da essência daquela garota desconhecida que se entregava tanto, talvez o rapaz estivesse apenas com a cabeça nas nuvens, em outro lugar, mas ela sentiu uma faísca naqueles olhos castanhos e percebeu que seus olhos, por um segundo, brilharam ainda mais. De repente, sentia medo daqueles olhos lindos e foi escondendo sua alma, aos poucos, até perder toda a sua espontaneidade, até esquecer as falas e perder as entradas na cena... Até perder por completo os olhares do rapaz.
Hoje ela atua como muletas, apenas apoiando os brilhos dos outros, mas sempre procura pelo rapaz e seus olhos castanhos, que nunca voltaram...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Assim, o sonho seria uma válvula de escape
para as nossas almas amedrontadas
perdidas dentro da realidade, 
cansadas da existência
do ser humano sério...
sem essência. 
Sonhar e viver uma outra realidade
diferente da minha, diferente da nossa
dos nossos dias que se arrastam conforme o vento
Nos meus sonhos, posso ser outro eu
estar com outro alguém, 
e ninguém pode nos afirmar que é mentira,
nós vivemos o sonho...
Apenas não o realizamos aqui. 


(Para Marina)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Tanto que bateu
que bateu bateu bateu
tanto que bombeou o bom
o mau humor
não lhe bastou pouco,
não lhe bobeou o medo
mas meu coração
de tanto bater
e de tanto apanhar
meu coração
está desbotado...

Definição

 (e.pi.fa.ni:a) 

sf.
  1  Rel.  No cristianismo, revelação, manifestação de Deus, ou sua encarnação em Jesus 
  2  P.ext.  Rel.  Manifestação da divindade, em outros cultos 
  3  Rel.  Comemoração, a 6 de janeiro, da visita dos reis magos, primeiro sinal da vinda de Cristo 
  4  Fig.  Percepção intuitiva da essência, do significado de algo ou da realidade, por meio de algo corriqueiro, inesperado; REVELAÇÃO. As epifanias de Joyce, fontes de sua arte 
  5  Representação artística de uma epifania 

 [F.: 0 Do gr. epipháneia, pelo lat. tard. epiphania e pelo fr. épiphanie.]

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Pegou o troco de mal jeito, amassando-o imediatamente dentro da carteira, com uma pressa inexplicável, não fosse a aflição de fugir daqueles olhos que pararam ao seu lado para mirar sua face...
"Na verdade, seus olhos são abismos dentro dos quais, admito, pretendo me perder", eu pensei, sentindo algum arrependimento por ter, de fato, me perdido naqueles olhos que agora me fitavam com alguma curiosidade. Ao parar ao meu lado, olhando para mim, no que ele pensava? Sentia alguma esperança de que eu me desfizesse do eu silêncio e agisse normalmente, como os amigos que pretendemos ser? Ou apenas me analisava, na minha fraqueza indescritível, até na hora de receber o troco? Será que você sentiu dó de mim por eu estar sofrendo tanto?
E eu, ao sentir tua presença, sem nem te ver, senti medo de que você quebrasse o meu silêncio e tentasse falar comigo. E senti medo de não aguentar te ver ao meu lado e acabar te abraçando e chorando as tuas lágrimas nos seus ombros. Então guardei o troco como pude e apenas olhei nos teus olhos (ah, abismos que já foram meus) antes de me virar e ir embora, segurando minha alma dentro do meu corpo como pudesse, para não desabar...

Apelo: aos que já cresceram

Não permitam
por favor!
não permitam que a tinta seque
da ponta das canetas
ou que o brilho apague
na ponta dos dedos
que antes apontavam estrelas
as estrelas despontavam pelos teus dedos...
Por favor, não desistam
de sonhar como as crianças
de desejar mudanças como os adolescentes
não se esqueçam
das primeiras sensações, continuem vivendo-as
Por favor, não cresçam completamente
por favor, tentem aprender uma língua nova, a tocar bateria,
não me deixem aqui,
não nos deixem aqui com os sonhos nas mãos
e a esperança afogada debaixo dos pés...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Do exílio

Que é do exílio a solidão
(E do pranto, o meu silêncio)
Sabendo que vou contra as leis
dos Direitos Universais de um
ser humano
Me perdoe por nos desrespeitar
Roubar teu passaporte
te excluir da minha nação
Me perdoe por te exilar da minha vida
As minhas dores são interestaduais
E desrespeitam o relevo do país
Minhas dores têm o seu nome
e eu não pude te levar comigo
Quando esta ditadura
- cujo ditador, ironicamente, é você -
acabar, poderei lhe admitir novamente
E sua nacionalidade será devolvida
apenas numa casinha menor
do meu coração...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Mas vós, por favor,
não riam de mim:
depois das minhas metáforas, sinestesias, metonímias,
o eufemismo nas minhas lágrimas
e o bom humor com que emprego
as dores do meu parto, a partitura íngreme do meu timbre
Depois das minhas máscaras
que cuidadosamente construí, moldando-me às necessidades do riso
Se procurares bem, com os olhos críticos
dos magistrados literatos sozinhos
sou apenas
um só,
apenas um poema triste...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Dos verbos no infinitivo

O vento
meus pulmões
os seus pulmões, as aves
a atmosfera, o espaço entre nossos corpos
desejam o ar
anseiam o ar,
E o ar só espera pelo infinitivo,
enquanto nós enroscados conjugamos os verbos
voar, andar, abraçar, amar...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Da minha alma

A minha alma é tudo isso, encharcada pela chuva
que cai sem presságios de medo
e, ao mesmo tempo, brilhante pela luz do sol
que não parou de lutar, apesar das nuvens.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Cena a dois, para ser encenada em silêncio

JOAQUIM - Lolô, eu te amo... Você está com medo?
LORENA - Medo? Medo é pouco! Tem muita Lorena na tua mão,
JOAQUIM - E muito Joaquim na tua...
LORENA - E muito Joaquim na minha mão! Claro que tenho medo, não somos inteiros em nós... E se eu morrer, Joaquim?
JOAQUIM - Morre Joaquim contigo.
LORENA - Tenho tanto medo de morrer, e te deixar aqui, com um pedaço pulsante de mim, levando um pedaço teu que deveria pulsar comigo. Tenho medo de precisar ir embora, tenho medo de te deixar e você não conseguir encontrar uma paz. E tenho medo de, no dia-a-dia, ir te machucando, porque pode ser de eu machucar as pessoas, ir te machucando até rasgar a sua alma em dois pedaços irregulares...
JOAQUIM - A minha alma é dois pedaços irregulares... E você faz parte disso.
LORENA - Eu sei, Quim, mas tenho medo que isso doa em você...
JOAQUIM - Então você não quer nem tentar?
LORENA - Oras, se você não estiver com medo, eu encontro coragem...
JOAQUIM - Eu estou com medo, mas tenho mais coragem que medo... Se nos machucarmos, se morrermos, se nos deixarmos, pelo menos teremos vivido algo que, nem que só por um segundo - que seja esse aqui -, deu certo... E por isso valeu a pena. Doer depois também é tão bom quanto amar durante.
LORENA - Entao, Quim, eu te amo... Você está com medo?

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O meu coração cantando a capella
e eu buscando uma música que te
delineie o corpo e a tua alma nova
Música que cante ao baque surdo
dos nós dos meus dedos apertados
do nós que existia e agora já morreu
O meu coração cantando a capella
e eu buscando em um acompanhamento
alguém que assovie essa minha canção
alguém que me segure muito forte
Até eu me esquecer da dor que sinto
E dos silêncios do meu mundo frio
O meu coração cantando a capella
E eu me esquecendo de morrer, em paz.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

- Cê tá bem, neguinha?
- Não, não, não, não, não, não, não tô nem um pouco bem! Eu me sinto sozinha, apesar de ser tão injusto dizer isso, e eu me sinto fora de lugar, como se eu não pertencesse à minha própria casa, ao meu próprio corpo, e eu nunca senti tanto medo de uma vez, estou com medo do dia de hoje, da semana de hoje, dos meses e do ano que se segue, estou com medo de não aguentar a vida que eu própria preparei para mim, eu estou com saudade de quem eu era há um ano, há dois anos, e eu estou com saudade das coisas que eu vivi, estou com saudade de como eu me sentia em relação a tudo, ou à minha vida, eu estou com saudade de uma companhia que me complete, porque eu estou destroçada...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Atemporal

Ao temporal:
que tuas gotas sejam a minha saliva
que crêem na vida, como no mundo
pois o tempo não me rege,
nem eu rejo o tempo,
somos pequenas aliterações, metáforas
e apenas convivemos.
A tempo:
não se atrase, meu amor
pois a chuva que está para cair
alagará as ruas, me alagará os olhos
não se atrase, por favor,
que eu passei a vida a lhe esperar...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Estou indignada!
Quem vem ao meu quarto
- durante a noite! -
para entortar-me os quadros na parede
e desajeitar-me as as fotos no mural?

Então a (vo)vozinha me responde,
bem baixinho,
- São os anjos da guarda,
que vêm em silêncio
lhe discutir o seu metodismo!...

sábado, 16 de janeiro de 2010

Pedido

Por favor!
Livre-me dos meus silêncios!
Faça com que passe
a dor do parto, de quando me partiu
a dor da neve ao redor do meu interior
faça-me derreter...
Pois minha boca selou
um mundo meu, não o atinjo mais!
E foi por você...
Lhe peço... Lhe imploro!
Me toque novamente
A valsa dos seus dedos estalava estrelas
E me enchia de canção
Eras maior do que o Mar
tu eras maior do que o amor.
Volte aqui.
Me complete com o teu silêncio
o silêncio brando e pacífico
de um outro beijo...
Os pratos caíram do escorredor
o caminho para o céu é tão bonito
Posso falar de coisas ruins
ou crer em dias tão claros que me esqueço
- Eu te amo, porra! E não sei o que fazer com essa massa amorfa pairando, não sei se dentro de mim ou ao meu redor. Não sei se posso canalizá-lo ou transformá-lo noutra coisa, ou como me livrar disso. Se eu pudesse, imprimiria meu amor por você nos poeminhas bobos, nas prosas bobas, e jogaria o amor impresso na lata do lixo reciclável, para esquecê-lo... Mas não posso: as palavras têm efeito contrário e o amor me enraiza... Tentaria dispará-lo aos outros, mas é, mais que meu amor, o teu amor. É exclusivo, não posso entregá-lo a outrem. Não posso fazer nada mais que surpotá-lo, suportar-lhe e suportar-me.
As mãos dele procurando as minhas e meu coração implorando por abrigo

sábado, 9 de janeiro de 2010

Cartas Provisórias

Querido,

não sei por que lhe escrevo hoje. Não tenho muito a dizer. As cartas que se seguem não passam de meros rabiscos, traços da minha personalidade que eu rascunhei em papel manteiga e acabaram por escorregar entre meus dedos, antes que eu pudesse decorá-los. Perceba que não estou necessariamente falando com você, mas seja lá o que eu disser, é claro que  te inclui, como sempre. Não preciso que você leia. Eu não sou você.

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minhas são cartas provisórias porque elas não carregam nenhuma verdade que valha o resto de uma vida. Sou da opinião de que todas as cartas são provisórias, uma vez que as verdades costumam mudar durante o tempo. As palavras não são suficientes para eternizar uma verdade: apenas no papel. Dentro de mim, muda tudo, muda o tempo todo.

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não queria lhe perguntar isso agora, mas não consigo evitar: o que é o amor?

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Eu acredito que nunca vou poder responder a essa pergunta. Acredito apenas que amar é algo que vale a pena. Independente de quais as circunstâncias, experiências e finais, vale a pena.

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e daí que ela gosta de garotas? Que ela ame sem moderação suas garotas, que viva por elas, e que ninguém abra a boca para dizer qualquer coisa pejorativa, que ninguém se meta em seu amor, que não tem amarras.

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eu não sei se sei amar. Mas amo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Helena,

não me pergunte, minha princesa, o que é que tanto escrevo nesse caderno! Escrevo poeminhas bobos de um amorzinho cálido que me tem aterrado! Escrevo apenas bobagens, minhas pequenas descobertas, ou palavras instantâneas que me aparecem e eu tenho medo que me abandonem. Mas tenho vergonha que as leia, com a minha letra manuscrita, toda torta e truncada, e que me ache boba por escrever sobre o meu mundo, fazendo tanto mistério, como se escondesse todos os segredos da humanidade...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Nascimento do poeta

JOAQUIM - Vê bem, Lorena, vê bem que teus olhos me enganam menos que os meus. O que está vendo, Lorena?
LORENA - Ora, Joaquim, não vejo muito mais do que você, vejo essa colina, e essas florzinhas que nascem ao pé das árvores, como filhos bastardos de um sonho que não aconteceu. Vejo esse sol, lutando para sobreviver ao afago das nuvens, e vejo essas nuvens, intrometendo-se aos caminhos do sol. E vejo a você, Joaquim, tão perdido quanto essas formigas passeando ao redor do meu pé, que se pôs no meio de sua trilha.
JOAQUIM - Percebe? Você me disse as coisas que eu não pude ver. Talvez, Lorena, talvez eu esteja tão faminto por algo que não sei o que é que tenha me cegado e não percebi! Será que você pode me ajudar a sair daqui, Lô? Escaparia comigo?
LORENA - E escapar para onde, homem? Precisamos ficar aqui, para ver os milagres que estão prestes a nos acontecer. Você nunca sabe quando um milagre vai acontecer. E se as flores voltarem à terra, entrarem pela raiz das árvores e brotarem novamente na copa, quase beijando o sol, que se já terá desanuviado?
JOAQUIM - E as formigas, Lolô, as formigas terão reencontrado o seu rumo?
LORENA - As formigas precisarão de um caminho, e eu não posso fazer esse milagre.
JOAQUIM - Pois os milagres que você me deu são falsos! Tão falsos que as minhas lágrimas também perderam o próprio rumo, e estão vagando descontroladas pelo meu rosto! E eu nem sei o que estão fazendo aqui, não me dói nada...
LORENA - Te dói tudo, Quim. Te dói o mundo, e eu te entendo, porque não há aspirina que resolva, não há anestésico ou tapa na cara que te faça passar a dor... É por te entender que eu preciso ficar aqui com você, mas também preciso que você fique aqui comigo, e nós esperaremos juntos que a dor passe. É a dor de existir, Joaquim.
JOAQUIM - Mas eu existo há muito, e nunca tinha me doído tanto.
LORENA - Não basta existir. É necessário descobrir que se existe. E então dói.
JOAQUIM - Ah, Lô... E o que eu posso fazer para passar?
LORENA - Procure um alento...
JOAQUIM - Um alento? Para a minha dor?
LORENA - Sim, procure algo que lhe faça esquecer, um grande amor, palavras cruzadas, filosofia, a sorte, esse fim de tarde, salvar alguma outra pessoa da dor que ela sente, tentar um novo dia, chorar as lágrimas até que faça sentido...
JOAQUIM - Não... eu preciso procurar mais perto, mais... mais perto, mais perto, mais, mais... Dentro, preciso encontrar dentro de mim. Isso que vai me desabrochar n'algo que me deixe em paz. Eu preciso encontrar dentro de mim algo que me dê paz, algo que me faça acreditar maior, algo que me faça acreditar que existir vale a pena! Preciso encontrar o que é essa angústia, o que é essa bola dentro do meu estômago, como eu faço sair? Preciso me encontrar com a minha alma, ouvir o que ela tem a dizer... Tirar de dentro de mim...
LORENA - Quim... Talvez você pudesse tentar... Não sei, é um caminho sem volta, talvez dolorido, mesmo que florido de flores poucos bastardas. Nos dias de sol, o sol lhe queimará até os pulmões, e quando chover você vai sentir o teu próprio corpo escorrendo das gotas. Mas talvez essa sua bola no estômago, a sua angústia seja necessidade de palavras: talvez o seu corpo esteja te mandando, te ordenando que você escreva, escreva, escreva, escreva, meu amor! Seja poeta, Joaquim, seja poeta e entregue ao mundo suas sensações, Joaquim, seja poeta.