quarta-feira, 25 de março de 2015

Querido,

preciso te dizer porque certa vez me disseram que dizer salva, e mesmo quando você não lê mais esta confissão ela está dita e, se eu der sorte, quem sabe seja salva. E preciso te dizer com todas as palavras porque você sabe que quando chegamos a algum limite eu sou uma mulher de todas as palavras, agressivas e rascantes talvez de uma violência que desrespeite o prudente que esmague o esperado quem sabe que desfaça as finas linhas que amarram a sociedade... talvez.
Querido, andei triste. Pelos teus mal-ditos, andei triste. Pelas minhas luzes no fim do túnel, andei desesperada. Pelo devir que nunca veio, andei desolada. Andei, lenta, por leitos de um rio sem corrente que nunca viria a desbocar no mar: naquele mar de um outro dia de um abraço roubado na beira do atlântico que fomos encontrar do outro lado do mundo... ? ... andei míope buscando em Luas artificiais - não passavam de postes ao longe - aquela: a Lua que sangrou para abrir o caminho por nós, e a qual nós desdenhamos: e hoje colhemos os frutos de seu escárnio de vendeta.
Querido, andei raivosa e rangendo correntes e mágoas no fundo de velhos armários, debaixo de cobertores e entre labirintos onde a cada parede eu rabiscava amarga pequenos impropérios e pequenas promessas de vingança e pequenos segredos azedos (mas que no fundo da boca da lembrança são a sobremesa doce que não sacia nunca) e pequenas bufadas e pequenos 'deixe estar' e pequenas juras de que mesmo se você quisesse mesmo se você voltasse mesmo se você pedisse a resposta invariável seria não não não não não não não não nunca mais não não

quando, querido, era tudo mentira

Travessias do de dentro

Alguém certa vez disse: é o tempo da travessia. Eis o tempo da travessia
desencalhar o velho navio Titanic de memória, trazer à tona, ligar os motores, atravessar o mar que guarda todas as recordações ancestrais. Sempre haverá um luto velado pelo que não foi. É preciso atravessar o luto, esse ranger de dentes, esse desgaste das articulações. É o tempo de. Travestir, também, do contrário do que é.
Eis, não temam, não sofram, não parem agora em alto-mar. Atravessar-se-me. Somos só passado, porque assim que o dia virar não seremos mais, de novo. Dentro de palavras escancaradas, dentro deste barco, aqui dentro. Existe alguma proteção, não temam.

terça-feira, 24 de março de 2015

Vamos cantar alegres as canções de comemoração por esse ano agridoce. Vamos cantar alegres os cantos fúnebres deste ano cruel. Vamos comemorar o coração mastigado por 365 noites aterradoras. Vamos despedaçar o bolo de aniversário e comê-lo patetas e supérfluos. Vamos apagar, vamos esquecer esse trauma, vamos fingir que não aconteceu nada. Vamos estourar uma champanhe e dizer: Desculpa qualquer coisa.
Vamos voltar para casa um pouco ébrios e chorar por mais este fracasso?
daqui a um mês faz um ano. detesto quando as coisas começam a fazer aniversário e eu ainda aqui, gastando papel, lápis, saliva, palavra desperdiçada. Parece que faz um ano de violão quebrado, de lua de sangue, de um certo escárnio de mulher vitoriosa do outro lado de lá. faz um ano que estou sem querer numa disputa que não é minha e que eu não queria, mas que compulsória já entrei perdedora. faz um ano que comprei um jogo - ingênua - em que as peças já tinham sido armadas antes de mim: cheque-mate. vai fazer um ano daquela noite ridícula em que chorei por horas a fio sem compreender os motivos pelos quais o amor sempre estava um passo na minha frente e, independente dos meus esforços, jamais o alcançaria.
Eu fico puta da vida porque vai fazer um ano que tudo mudou de direção mas já era tarde demais para mim, porque eu tinha mergulhado de cabeça e tô com a 7ª vértebra fodida até agora.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pronto:

é exatamente aqui. Que termina a água e principia a terra. Precipício doce de realidade. É exatamente aqui, precisamente agora. Estou prestes a dar este passo vazio adentro. Nada é igual, tudo está: promessas, uma dívida nunca paga, a dúvida tua entre ir ou não. Tudo está neste encontro entre esta água e esta terra. Nos meus pés a lama pressaga: que se derreta o agora, que se dissolva a mágoa antiga, que se esparrame o corpo n'outro corpo além. Eis-nos: você, eu, a praia doce onde nos conhecemos, a lua de sangue; estão todas as peças em seus lugares. Mas o passo é meu, me desculpe. Tempestade de vento, adeus. O acorde silente, adeus. A palavra non grata, adeus. Tudo seguirá como era antes. Adeus. Do lado de dentro, revolução armada. Me retiro da guerra, serei teu olhar vazio, o front partido, a estrela de longe, ninguém vai perceber. Aquela música que tocou: acabada e enterrada, tua voz minha voz. Silêncios... é aqui que acaba a água e principia a terra.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Querido,

escrevo apenas porque sei que você nunca vai ler esta outra carta, sempre endereçada mas nunca entregue. Com o passar do tempo tenho pensado menos em você, como pessoa, e mais em tudo o que foi - e é - como acontecimento. E nos tratando como acontecimento, consigo honrar com mais respeito os nossos tratos que nunca foram feitos, mas que tácitos calaram bocas que se desejavam e aquela sede de toque que não se saciava, apesar de. E desse gesto, que um dia julguei interrompido mas que hoje compreendo, desse gesto nasceu um bicho calmo, com o gosto do fundo do mar, um bicho lúcido, que acha a paz na ternura de um encontro que nunca se deu. Cantando baixo as canções que um dia teriam sido nossas, embalo este amor prematuro... até ele cair no sono novamente.
Chega de símbolos.

Eu quero o gesto violento e cru.
E do gesto fiat lux.
Ela está com a alma roída até o osso. Eu te pergunto: até onde você tem a coragem de ir? Até onde você pode ver suas escaras e feridas, que ainda não cicatrizaram, sem desmaiar de nojo ou remorso? Te previno: esta moça está arredia feito bicho ameaçado e quando você chegar, faceiro, querendo festa, ela vai te arreganhar os dentes e tentar morder (torça para a lua ainda não ter virado). Você encara? Você deixa a habitual covardia de lado? Depois de morder e depois de cuspir impropérios e de mostrar: você me roeu aqui, aqui e aqui, olha!, e isto aqui é o sangue e isto aqui é o pus inflamado da minh'alma e que me sobrei braseiro somente, dos gestos interrompidos e de tudo o que podia ter sido mas não foi. Depois de querer também te corroer com o mesmo ácido que você derramou sobre a pele quente dela e de esgotar esta raiva ancestral, se você tiver a coragem de ficar: a loba vai se desaguar em corsa e aí vai ser mais doído de ver, porque enquanto a loba guincha, grita e arranha num espetáculo de crueldades, a corsa desaguada é a dor pura e silenciada da noite, escondida entre camas e cobertas, entre palavras doces e lágrimas que ninguém nunca viu nem verá - e ela, corsa acuada, balbuciará de seus esconderijos: é tarde demais?
Um lugar n'onde repousar esta alma em chamas.
Uma cama para pôr os medos para dormir, e uma canção de ninar que seja eficiente.
Um refúgio furtivo que receba meu sangue e lave, álcool na carne, minhas feridas abertas.
Um quarto, um canto do quarto, um pedaço do canto: que receba estas lágrimas remoídas sem perguntar de onde vêm ou para quê ou conclusões quaisquer.
Um silêncio desses profundos, de abrir o corpo: um silêncio que permita a lucidez da mente, d'alma, do gesto.

E, assim, encontrar nesse meu último gesto o amparo que estanque o sangue, a palavra de consolo, a estrada aberta para além-mar.
Não dormir: apenas sonhar... projetar nas paredes deste quarto branco tudo quanto poderia ter sido, ou que foi, o que virá ainda; dar corpo a tudo que não é carne, mas que na carne se realiza. não dormir para sonhar, lúcida, com a consumação de um amor prometido, ou com o mundo na rua exigindo, ou a última flor a se abrir antes do apocalipse. Neste idílio o gesto inacabado se complementa. A palavra desnecessária cala. O cão apenas assiste, sem intervir: e assim sobra só o osso. Só a alma.
Só o osso da alma e nada mais.
Escrevo a lápis estas confissões - ou segredos, talvez - na incansável esperança de que as palavras se encontrem no mais íntimo do caderno e que, generosas, se troquem por outras melhores, mais belas e expressando com mais exatidão as ideias, as charadas, os sintomas. Não para descrever: para indicar alguma direção; apenas um chute de que é para lá que devemos seguir, e quando não for, que se abra o caminho para as outras tantas estradas. Eis a vida: um caderno escrito a lápis, um breve devaneio, um caminho escolhido como um salto no vazio. Que haja menos medo, pois, no adulto a decidir o itinerário, já que chegado o fim do dia ainda é possível alterar a rota, as palavras e a pergunta a ser respondida...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

e quando você me olhou de frente teve medo: e recuou apavorado com palavras doces e vazias. Você teve medo porque viu meus seres. Me viu loba ferina de garras de dente de corpo com fome do seu corpo de te devorar de ser devorada com sede da sua língua vibrando de desejo de urgências da pele na pele desse instinto de unha na carne que você ria e fingia que não entendeu quando meu corpo lobo te deixava claro - deixava claro.  E você viu: eu, corsa acuada debaixo da cama pedindo para você me deixar entrar, pra você me dizer elogios sinceros (porque eu na verdade ainda não sei como eles soam), pra você suprir minhas ausências e dormir comigo na noite da lua sangrenta (que é sempre noite de tragédia e me assombra...). Você enxergou minhas cicatrizes e aposto que se perguntou se foram causadas pelas minhas unhas ou de outrem. E quis fugir enquanto eu loba te despia eu corsa te implorava porque tudo em mim depositou em você uma esperança. Que eu te deixei ver, a despeito do meu usual casaco fechado, desdenhando do que seria razoável, porque quando me dei conta te amava de um jeito doce e ingênuo e queria: queria que você visse meus segredos no fundo da noite e achava infantil que aquela lua pendurada pintada de vermelho nos estava abençoando, nos regendo como a uma sinfonia que termina bem; quando na verdade ela se ria de escárnio. E a resposta foi não.

Foi assim:

nós dois
atravessando a noite
a espalhar nossas memórias
em cima da cama

segunda-feira, 16 de junho de 2014

deixe-me morrer as minhas mágoas de amor
deixe-me matar este silêncio impenetrável da noite
deixe-me tecer com mãos de artesã este manto que é também mortalha
deixe-me procurar; deixe-me procurando no escuro
deixe-me exorcizar esta esperança ancestral

deixe-me, apenas deixe-me arrancando meus cabelos e tateando o breu de mimesma porque eu ainda tento e enquanto tentar preciso sangrar essas feridas antigas e preciso que

deixe-me

de samba

Hoje faz uma semana do teu beijo roubado no meio de uma noite no meio da semana
aquele primeiro que foi como o soco (bom) na boca do estômago...
Tô tonta até agora.
Tô trançando as pernas feito bêbada...
Tô no ponto do samba.
Fechar as gavetas. Fechar os armários. Guardar as roupas. Enfileirar os sapatos. Andar na linha. Sorrir na rua. Sorrir na internet. Tomar vitaminas. Tomar ômega 3. Tomar remédio pra dormir. Limpar a casa. Sorrir enquanto. Continuar dizendo pra si mesmo: vai ficar tudo bem. Acreditar que o amor pode durar uma noite. Acreditar. Não mostrar onde a pele racha. S-o-r-r-i-r. Estancar o sangramento, Ser asséptico. Ser independente. Se convencer diariamente. Beber muito. Fumar maconha. Tampar a cólera. Tampar onde é feio. Não contar para ninguém. Sobreviver às horas. Sorrir ligeiro. Não amar demais. Não externalizar. Não odiar demais. Não dizer. Em hipótese alguma morrer.
esta lua ainda vai nos devorar. Compor o sonho. Esta lua gorda de futuro de encher marés de mover:  meus pés como ímãs na tua direção o conflito eu versus você versus a lua você já nasceu poeta e eu já nasci sozinha e a lua nesse sorriso antigo de escárnio dizendo olhem que fracasso fracasso branco limpo fracasso crescente sonhou demais apostou demais a lua também chora lá de cima

a intocável solidão da beleza
os seus segredos insondáveis
seu som
sílabas surdas te ouço emitir
a música da sua voz
a solidão das tuas ausências
do teu silêncio

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Parte I

Ando procurando um canto n'onde me esconder. Ando com essa vontade d'um refúgio... ando com essa suspeita de partida... ando com esse insossego de estrada. "Se alguém numa curva me convidar eu vou lá", sacomé? Pois é, meu bem. Meu bem, me desculpe, às vezes sou mais bicho que gente. Às vezes sou mais bicho que gente. Amorzinho, te mostrei os dentes - que rudeza - mas foi porque essa desconfiança que tenho de homem. Homem tem esse hábito de de repente machucar a gente. Mulher também, e até eu também, mas muito homem já me arranhou aqui e aqui e aqui. Por isso arreganho's dentes e rosno. Uma desconfiança, alguma mágoa já ancestral sabe benzinho? Por isso ando mais pra estrada que pra homem, se for pensar em como me salvar da solidão. Bem mais estrada que pra homem. Mais pra estrada que pra você, meu bem. Meu bem - que piada: meu bem?! - você não me sacou, eu sou mais loba do que pareço. Sou corsa, sim, acuada, sim, mas sou loba também. Você não entendeu nada - nem eu, quando deu a hora e você nem tchum. Nós não entendemos nada, não chega a ser engraçado?

Parte II

Não, não foi engraçado, querido. Ainda não é engraçado, eu que sou assim, fazendo graça pra você não perceber o quanto eu sangro. Não foi engraçado porque foi assim: despencar abrupto de penhasco inesperado. Quando eu comecei a me sentir em alguma segurança



não é bem assim querida estou confuso querida não queria te deixar no meio do fogo cruzado das minhas guerras querida querida infelizmente não tem lugar pra você aqui. Cortou, doeu. Não morri não, olha eu aqui vivinha da silva! Mas doeu sim, não vou te enganar. Bem você, que eu tinha escolhido pra fazer diferente, bem você em quem queria alimentar essa sede de estrada, que era pra me acompanhar. Vê? Por isso a necessidade de arreganhar os dentes e de me fazer de desentendida quando homem chega perto. Calejei, amor. Tem que ser muito homem pra me tirar daqui. Dirão: não bote tudo que é homem no mesmo saco. Boto. Boto sim. Já doeu o suficiente aqui e aqui e aqui. E aqui. Não tem essa bobagem de entrega não. Não tem essa coisa de "Mas ele é tão gente boa" não. Eu fico é com a minha estrada.

Parte III

Mas mesmo assim eu tenho às vezes vontade de te ligar pra contar do meu dia. Que esquisito, né? Em meio a tanta mágoa, a tanta proteção, em tanto muro de alta tensão, você plantou um pé de Lua dentro de mim. E isso porque nunca nem deu tempo d'eu te ligar pra contar nada. Ficou essa sede de tanto a ser vivido. Cortou, sangrou, doeu. Mas sobrou ternura. Isso é o que mais me irrita: essa ternura que não me larga.

domingo, 11 de maio de 2014

Ainda sobra muito sangue pra sangrar em quintas feiras como essa em que a sua presença é uma bala cravada bem no plexo solar em que o seu silêncio é uma faca fina desfiando a minha pele de cima a baixo no corte mais transversal eu posso me afogar no choro eu posso espernear gritar mas nada alivia essa angústia da tua presença e do teu silêncio nenhuma palavra arranca a bala do fundo do peito nenhuma canção de ninar aplaca essa palavra que ecoa dentro da minha alma: fracasso. Talvez você pense nisso tudo e talvez a minha presença te seja um incômodo mas você não morre eu morro morro porque isso fracasso rejeição sou insuficiente sou pouco eu sou muito pouco não te serve não sou impossível o suficiente não sou mistério suficiente não sou nada o bastante para ser escolhida ou sou tão pouco que posso servir de brinquedo para o teu silêncio e esse teu olhar cruel que me procura no meio da multidão e esse sorriso cruel que diz você é pouco para mim como uma bala rachando o osso da angústia atravessando a carne que não parou de sangrar até agora o sangue escorre e pinga no chão eu limpo e sorrio pra você e tento ser linda e tento descobrir o que um dia te fez vir até mim e quero que isso brilhe pra você se arrepender mas é um brilho morto e você sabe e me olha com dó através da multidão eu sei eu sei das minhas escaras visíveis eu sei das cicatrizes ainda vermelhas eu sei dos olhos inchados eu sei desse gosto de desesperança eu sei que você vê isso e sei que para você tanto faz
mas você veio a despeito de toda honra de uma honestidade sacra a despeito do que é razoável você veio e me remexeu como uma criança cutuca o formigueiro para vê-lo por dentro desse mesmo jeito minhas entranhas abertas você com uma vara cutuca as entranhas se contorcem você feito criança ri de prazer você cutuca mais bagunça mais ri mais me olha com dó e vai embora a chaga aberta sangrando você vai embora com os seus amigos e dali a uns dias me manda uma mensagem qualquer um sorriso qualquer um olhar qualquer através da multidão eu me contorço eu me remôo eu me destilo em sangue em pus em lágrima e você nem fica sabendo com todas as palavras e nunca pensa em mim quando deita sua cabeça e pega no sono

sexta-feira, 2 de maio de 2014

eu continuo aqui limpando com a pele os suores do mundo mas desvairada sem dormir sem comer sem rezar me sobra apenas dançar às músicas que tocam ou que não tocam mas para elas sim eu continuo no mundo sacudindo os tapetes do tempo mas sem memória e sem futuro a poeira me dá alergias e desejos eu preciso olhar o mundo de um outro jeito quem sabe através das frestas ou no escancarar das portas tudo aberto veias olhos mãos mas existe tanto ruído ando desgovernada pelos clarões pelas trocas repentinas de ideia por tudo o que é brusco e pela falta de silêncio nos seus olhos que desviam dos meus porque você soube com toda a clareza e eu também soube não tinha segredo sinto falta do segredo se é que posso colocar nessas palavras eu continuo vagando pelos cômodos procurando insistentemente um canto n'onde descansar o corpo e deixar tudo ir mas nada vai tudo fica fica fica fica fica fica fica tudo acumula compreende tudo incha por dentro numa ferida inflamada que você pôde escolher entre cuidar ou enfiar o dedo no mais fundo possível você enfiou o dedo na chaga inflamada e eu não tive coragem de revidar eu sorri te abracei e te deixei ir inteiro eu fiquei aqui assistindo os carros passando na estrada eu parada eu morta de certa maneira mas o mundo não o mundo quer mais eu só posso secar os suores sacudir os tapetes olhar desgovernada saber vagar e tentar dormir vez'enquando

quarta-feira, 23 de abril de 2014

A grande violência do silêncio
O sangue que escorre quando o nada
A morte irremediável da ausência
A grande paz dos teus olhos
Um segredo que nunca foi contado
O presente de ser, de estar
A enorme esperança de prosseguir
O encontro.

Olhos nos olhos.
às vezes esse treco engasga tanto a goela e o peito que saio esfaqueando o travesseiro e revirando todos os baús atrás de algo que me aplaque: um sabor antigo de café ou uma gravação em que se ouça a tua voz, a tua voz calmante ou um cheiro que é teu mas não sobrou nenhuma peça de roupa e eu tento, tento, passo o dia tentando e procurando aquela carta que você me mandou em vários pequenos bilhetes que o tempo passando tirou de ordem, sabe? e nessa aflição de te recuperar de qualquer maneira eu choro e é o exato momento em que sinto na boca o gosto do teu último beijo, aquele em que eu não queria, mas entrei em casa e você também não queria, mas deu partida e foi embora para provavelmente nunca mais voltar.
Sinto algum prazer indissolúvel na solidão desta tarde em que chove lá fora e eu, aqui dentro, passo as horas olhando a janela de casa e a dos livros também. Existe algo na solidão chuvosa que me completa e me faz querer que esse dia jamais acabe. Algo na voz aveludada do homem que canta, algo no pessimismo das palavras do Pessoa, algo de doce nos meus pensamentos. E nesta solidão encontro finalmente a mim mesma e, desse jeito, me permito:
Eu quero chorar por cada palavra dita que você não ouviu. Eu quero morrer por cada boca que não foi a tua, por todo esse tempo - por toda essa vida - em que estive à tua espera. E digo isso porque a tua espera foi sangrenta e dilacerante, feita da matéria da minha carne em cotidiana tortura: que me ria embriagada para ser voraz e selvagem a quem não fosse você, e mistério e desejo e curiosidade. Mas torturada pela minha própria unha afiada eu dormia encolhida e suplicante, nada além de um filhote perdido. Eu quero voltar atrás pelos anos em que a sua ausência desconhecida me movia para o corpo dos homens que não me amavam e por cada gozo seco que já veio à terra porque você ainda não.
Existe, assim, algo em mim que se mortifica pela tua vinda, porque só depois dela a leviandade exposta como uma chaga pôde sangrar. Arrependimentos, súplicas de um amor que foi sempre negado, sempre e novamente negado à exaustão enquanto você não vinha. E na vinda tua um desespero mortal: que seja a resposta! Que me salve dessa intangível solidão! Que me busque onde quer que eu tenha me perdido e que me mostre a verdade. Que o sua vinda traga o tempo da verdade.

(15.03.2014)

terça-feira, 22 de abril de 2014

Existem sonhos estéreis
sonhos feitos apenas pelo idílio
que se enterram no travesseiros
e nas horas encerradas a sós.
Existem sonhos que nunca serão
apenas porque não.
Porque não! Por que não?
Porque...
Conforme os dias passam e o sonho cresce
Eu rezo: que você não seja um desses.
Amém.

Amor,

vamos sair para passear? vamos só sair, para ver a noite de algum lugar novo? vamos? procurar a lua, vamos. não durmo há semanas; não me abandona esta sensação de tanto a ser vivido. vamos só estar lado a lado, em silêncio, mais nada? eu quero segurar na tua mão sem medo. sem mistério. de madrugada teu nome grita no meu ouvido, vem ficar por aqui, vem pastorear meus pensamentos, vem orquestrar esse caos, vem?