sábado, 26 de junho de 2010

Barroco

O seu cabelo tem cachos lindos...
Cachos de anjo.
Mas pode-se perceber que os círculos louros são
quando você extravasa esse seu sentir
tão barroco, tão confuso,
cheio de conflitos: ser, estar, amar, lutar direito
ou o não de tudo isso!

Às vezes queria poder te alcançar
esticar todos os braços, romper as fronteiras
são tantos estados que nos distanciam!
Às vezes queria poder te conhecer
fazer cafuné nos teus conflitos,
enrolando os meus dedos nos cachinhos
pacientemente desentravando os nós,
um a um...

sábado, 19 de junho de 2010

Fragmentos

Eu preciso falar porque certa vez me disseram que falar salva. Mas e tudo que já foi deixado para dizer mais tarde? Como eu organizo essa bagunça sem derrubar as estantes? Como é que se coloca em palavras um sentimento que se acumulou tanto que não há nada para ser dito?
(...)
Vou dizer que eu estou infeliz? Que, pior do que isso, tenho sido infeliz?
(...)
Que, quando acabam as piadas, há um ser humano se sentindo terrivelmente sozinho aqui? Que estou inconsolável, sem ver motivo em nenhum dos meus movimentos?
(...)
mas por trás desse caderno de exercícios há um ser humano esgotado de tanta frieza. Um ser humano que oferece tudo o que tem sempre que pode, e até quando não tem, e até quando não pode, e de volta espera um pouco de paz, mas não encontra.
(...)
As minhas feridas estão todas abertas e ninguém tem o menor pudor ao passar os dedos sujos nessas fendas, ou o menor trabalho de me ajudar a estancar o meu sangue: sou eu, mordendo o travesseiro, molhando o pano com álcool, desinfetando os cortes, gritando sozinha no chão do banheiro.
(...)
Eu agora que aprenda e viver com o que sobrou de mim: perdi a guerra. O perdedor nunca merece nenhum auxílio. O perdedor não merece sequer um olha de pena (nem pena, o pior dos sentimentos!), sequer uma mão estendida. O perdedor tem apenas de pagar a conta, apagar a luz e fechar a porta atrás de si, fingindo que sobreviveu.
(...)
E agora? O que eu faço? Continuo esperando? Ou apenas escrevo milhares de palavras sem nexo? Sem nexo e sem cor, apenas crendo que talvez escrever também salve. Pelo menos jamais poderão prender minha mão como me amordaçaram a boca, para não me ver gritando, cuspindo ódio, fogo e veneno.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

É feito de lágrima isso que você olha, olha, e pensa que são diamantes no meu rosto. E insiste que é beleza, quando eu sou tão triste...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da vida

"EU PRECISO DE VIDA", ela gritou ao mundo, sentindo as urgências descontroladas no plexo solar. Se ela gritasse alto, muito alto, será que ele escutaria, protegido do vento entre as quatro paredes do próprio coração? Ela não ligou para o silêncio, e gritou mais, e mais alto: "EU ESTOU VIVA! EU POSSO VIVER DIFERENTE", e poderia correr as maratonas, mais rápido que o próprio sangue bombeado no peito. Ela não pôde aceitar que então era só isso, tão menos que os poetas lhe haviam prometido. Engoliu a decepção de não ter com quem se dividir, pegou as tralhas que a alma pediu, e foi embora, sem sequer dizer adeus.

Cadê eu?

Estou perdendo a vontade.
Onde está a minha coragem
de subir ao palco sem fechar os olhos,
irritados com a iluminação?
Cadê o meu desejo
que subia da coxa, como uma droga no sangue?
Alguém viu meu tesão pela vida
por dar a cara a tapa,
mesmo quando o tapa é certo?
O afã de ver o sol se pondo
e por vezes sentir a chuva na pele
Crendo que viver é entregar o corpo
no limiar das horas,
cadê eu?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Classificados

Procura-se um novo amor
que vai passar água boricada em tudo que é ferida,
tirar as faixas e os curativos para mostrar a mim
e ao mundo
que ainda estou viva, que ainda acredito...
Procura-se um novo primeiro amor
(todos têm em si algo de primeiro)
que sinta a urgência do amor que nasce
Procura-se um amor que seja urgente, latente,
batendo na porta e derrubando as estabilidades
das pernas, do peito, dos olhos.

Procura-se com cuidado,
em cada vão, em cada vinco de sorriso
um daqueles amores que estão prestes a acontecer,
e quando acontecem,

ah,
quando acontecem...
Nos fazem sentir como da primeira vez.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Patologia

Está com o corpo ardendo.
O estômago ferve.
O calor sobe pela garganta
e você diz que é só azia?
Os poros explodem,
minha pele chega a queimar os teus dedos
que passeiam responsavelmente na testa, na nuca, no pulso
(segura-me pela cintura!)
Mas você me diz que é só febre?
Há água escorrendo dos meus olhos
escorrendo, vazando, caindo ao meu colo
ao teu redor,
e você me diz que é só a vista irritada?

Você me diz só isso?
Pois eu acho bem mais!
Eu acho que isso aqui
é
vida.

domingo, 13 de junho de 2010

(...)

Eu, no meio do caos, entre as explosões que vêm e vão, dentro de um filme em que as balas passam e passam raspando, bagunçando meus cabelos, arranhando a pele. Eu girei, rodopiei nesse balé clássico de confusão, destruição, a tua dor e, mais ainda, a minha própria dor por existir entre tanta atrocidade, as minhas lágrimas dançando no ritmo da bomba caindo ao chão.
Eu, no meio do caos, perdida, sem encontrar apoio, sem achar alento ou um vão para me esconder, e tanta morte ao redor, e tanto medo dentro de mim, que os olhos reviravam num balé terrível, a boca se contorcia de terror e eu me deitava para fingir que o tempo passaria para mim como passava para os mortos.
E o tempo passou, as risadas e o afã cessou, os barulhos de bomba e a valsa que eu não pude participar, e eu percebi: Eu sobrevivi! E estou viva (talvez não ilesa, mas viva)! Estar viva é só isso? O corpo pulsando, reflexos,  ar?
Não, estar viva é tudo isso!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Promessa de vida

Minhas palavras não cabem nas linhas que você desenhou: são frias e duras, como as suas mãos. As minhas palavras não são tão fixas! São olhos cujas pupilas hora dilatam, hora contraem. Às vezes acordo triste, silenciosa, falo baixinho pra ninguém ouvir... Outras o mundo grita e grito eu, alto, alto, que te amo! Que quero diferente! Que estou perdida! Que sou uma bagunça...

Fé de fênix

Há em mim feixes de esperança, que por vezes fenecem, fundidas no coser dos dias, desse cotidiano fatídico de dias sem sol nem sombra, sem cor nem crença. Os fatos são feios, os mundo é feio e falso nesses dias, e não há felicidade a oferecer. Feito um fraco amor, farto do cansaço, da monotonia, acaba antes do ocaso, sem dar chance ao feitiço das cores...  Porém, eu sei que o fado da fé é cíclico: fora ao dissabor da vida! E fecunda-se, no túmulo de concreto, o bojo do meu coração, fazendo espetáculo fascinante: floresce em minh'alma, e o favo do mel, e o jorro da água, e o brilho do bicho novo, a desejar tudo que vem a seguir: É a fênix da fé, brilhante e fugaz, sem memória e sem desprezo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Do medo, da grande tristeza do mundo

A minha tristeza não é minha.
A minha tristeza é toda a tristeza do mundo.
A minha tristeza é
o medo da morte,
de existir, apenas, sem viver o suficiente,
de sentir dor, de todas as dores que existem.
De acomodar na incompletude, quando não se pode ser incompleto
de acomodar o tempo todo e continuar
com fome, no vazio, com preguiça de ir buscar o cobertor
sem amparo, sem aparar as sobras.
A minha tristeza é quando sou incapaz de olhar nos olhos
e assumir que está errado, que preciso mudar,
assumir que morreu e eu continuo viva,
assumir que estou me escondendo...

sábado, 5 de junho de 2010

Antigamente aqui era o mar.

O meu peito foi um cais, onde as ondas pulsavam
e a maré tremia conforme a lua.
Havia barcos e o mundo era bem-vindo:
Trabalhadores, turistas, curiosos.
Mas a poluição, os dias de chuva,
esse vazamento impermeável de petróleo
destruíram a vista para o mar...

Hoje há apenas a ressaca
e um grande silêncio inabitável...