terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ode ao amigo, comigo.

A velha sábia que mora dentro de mim sussurrou aos meus ouvidos: pouca coisa sobrevive ao tempo-espaço. É preciso cuidar. Mais que isso, é tempo de cuidar. Porque as relações fenecem. A tua melhor amiga hoje já é quase uma estranha; o teu porto seguro não lhe faria mais nada; a tua companheira para qualquer aventura não te liga para bem nem para mal; o teu grande-amor-pra-vida-toda já não é mais amor, tampouco para a vida toda. Por isso é necessário agarrar-se ao que sobra, lutar mesmo como uma guerreira, jogar contra o destino na tua capoeira, desengonçada ou não. Brigar com as tuas unhas de gata, dentes de loba, com a tua força vibrante: para que não haja adeus. É preciso que lutem juntos, vocês, dois a dois. É preciso que ainda haja o inadiável desejo de saber (qualquer coisa), porque se não perde-se o sentido do elo. Perde-se para a eternidade: e vocês se transformarão em cartas antigas, fotos amareladas e vídeos perdidos que falam de um tempo que foi tão bom...
Por isso: é preciso cuidar.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A natureza apodrece.
A natureza apodrece
o homem, o bicho e a flor.
A natureza destitui-se
e transforma o próprio sumo
em sua própria mortalha.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

À flor da pele

Poros. Toque.
Me enrosque
me enlace.
Me leve com você.
O amor não morre assim:
a pele também tem memória
e não vai te esquecer...

sábado, 13 de agosto de 2011

Eu vi o mar

A palavra está morta. Morreu numa tarde quente de quinta-feira de agosto. Assim: pendeu para o lado e perdeu suas forças vitais. Ninguém percebeu quando. Mas não havia sobrado nada. E o homem é um bicho feito de palavras: em cada gesto. Em cada pensamento. Em cada intenção. Já não havia sobrado nada. Portanto, o humano homem havia morrido naquela quinta-feira de agosto. E não havia mais o quê desenvolver. Jamais se poderia discutir a peregrinação das aves ou o papel da memória na pedagogia grega. Jamais se poderia elucubrar dias e dias sobre Deus, a Física e o almoço do dia seguinte. O que sobra de nós quando não há mais a palavra??

- E o que simboliza a alma humana?

Eu vi o mar

A palavra está morta. Morreu repentina no momento exato em que você beijou minhas mãos e me segurou bem perto. Pela primeira vez não havia a necessidade de palavra alguma: e ela soube. Quando os nossos corações sentiram tamanha paz e tamanha comoção e tamanha sincronia nós atingimos tal nirvana ou qualquer outro nível elevado de alma. E então a palavra desfez-se em poesia - não o poema escrito no papel, mas a Poesia dos instantes de silêncio que separam a última palavra de raiva e a primeira de amor. Naqueles 10 segundos, a palavra estava morta para sempre: nos centímetros que nos distanciavam, na casa, no cosmos, dentro de cada um de nós. E renasceu junto conosco, novamente eterna como nós jamais seremos.

- E o que simboliza a alma humana?

Eu vi o mar

A palavra está morta. Enterrou-se sozinha através dos séculos: definhou conforme os poetas morriam e mais ninguém se dispunha a senti-la ao invés de analisá-la. Ora, e o que é o homem sem a palavra? Um corpo que olha o tempo. A palavra morta, o próprio tempo morto. Mais nada pôde acontecer. 

- E o que simboliza a alma humana?

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Quando o caos é tamanho, sabe? Quando existem milhares de pessoas ao teu redor, todas porque sim, todas porque estamos juntos nisso seja lá o que isso for, sabe? Quando para não enlouquecer com o som dos apitos você tem de apitar ainda mais alto?! E então eu apitei. E gritei nossos hinos de fúria. Fúria porque sim, porque estamos juntos nisso seja lá o que isso for e o que isso é; é fúria: e raiva e indiscrição e a eliminação total do desejo de ficar 'assim tudo bem, mais ou menos mas a gente vai levando uma dor aqui um pesar ali'... Fúria porque perdemos a disposição para aceitar: Que você me subjugue. Que você me desrespeite. Que você me esqueça numa viela escura tentando me recompor da sua violência. Do seu descaso assassino. E estávamos ali, gritando que ser mulher é muito mais do que a tua força física sobre o meu corpo: e então eu era mulher. Em toda a minha intensidade. Afirmando ao mundo: sou mulher e isso é merecer. O teu respeito. O teu e o de qualquer um. Cantando num mar de outras mulheres mulheres como eu, ansiando o final feliz, o espaço, o tal do direito ao grito. Então nós gritamos.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A Festa

De repente, me dei conta: você estava comigo. Apesar dos ventos contraditórios, das dunas e pirâmides que se haviam construído entre nós, apesar dos desastres naturais que insistiam em nos separar, nós dois conseguimos: estávamos ali, no meio daquela sala dentro de um mar de seres humanos completamente alheios à nossa identidade, olhando um par'alma d'outro. Eu jamais poderia olhar ao redor. Porque era você na minha frente. Éramos só nós dois, completamente alheios à presença de um mar de outros seres humanos. Havíamos conseguido. Havíamos conseguido... quebrar a parede que nós mesmos construímos entre nós, sem que qualquer a houvesse desejado. Por isso era um momento mágico. Porque as dunas, as pirâmides, os ventos, os desastres, a parede, o gelo, a barreira, o abismo - todas as metáforas que eu poderia citar para explicar a distância enorme que existia no metro que nos separava - havia cessado. Assim, de repente mais nada fazia sentido: os últimos meses silentes, o choro escondido do resto do mundo, as cartas jamais endereçadas - e também as endereçadas -, tudo: finito. Só sobrou eu, você e a distância de um abraço.

De mais um coração partido:

ABRE ASPAS

- É assim, Jú, doi pra caralho. Aí você chora, chora, chora, e um dia passa...
- Você me promete que passa, Ju?
- ... não... porque eu ainda choro.

FECHA ASPAS

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

E eu lhe aviso: tu nunca mais entres com esses teus pés sujos no meu templo, pois ele me é sagrado. Fui eu que construí. E tu sujas teus pés com teus pecados infames, com teus trejeitos podres de quem não aceita dividir - e entras no meu piso, ultrapassas os arcos da minha entrada, pisas sem qualquer remorso nos tijolos que eu empilhei - eu sozinha, sim? -, eu empilhei no meu coração e tu me trazes a terra mofada e impura e me levas toda a paz que eu havia conseguido com sofreguidão manter incólume, pura, assim, eu que selei estas minhas paredes com o sangue e o suor que vazaram da minh'alma para que construísse algo que me pertencesse acima de todas as coisas... mas teus pés sujos de areia e poeira espantam minha luz e tu me roubas, me extirpas o mármore etéreo, que foi tudo o que eu consegui para mim enquanto estivestes longe... por isso afasta-te! Eu lhe imploro, já que não posso mais que isso, eu lhe imploro. Nunca mais aparece com o teu egoísmo para macular o pouco de paz que ainda me resta.