terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Quando um amor antigo apareceu-se-me em sonho e disse que me segurava nas mãos só pra proteger, que era o que eu tinha pedido pro mar, e quando ele ficou ali, com as mãos nos meus olhinhos que choravam... de dentro do sonho eu só quis que o mundo parasse de respirar um pouquinho e a noite demorasse a passar: para que a gente ficasse ali, protegido um pelo outro, um guardando os olhos do outro. É tudo bem, vó, é tudo bem sonhar co'essas coisas?

E a minha vózinha riu de lado, deu um beijo na minha testa e me disse assim "que não existe amor antigo, minha filha. Existe amor, e só."

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O passeio dos teus dedos na minha pele deixou marcas como pneus em uma grande estrada: você derrapou pelas minhas curvas como quem procura um abrigo durante a Grande Chuva, mas - ai, amor, preciso falar! - mas sou uma mulher latina e quero bailar!, por isso escorrego entre suas mãos. Você aquaplanou nos meus choros e não conseguiu me parar a tempo. Precisei fugir antes que fosse tarde. Deixei teus labirintos para trás, mas não duvide que amo o teu tango e teu tudo, tua tanta paixão, enfim. Me perdoe a dança desengonçada.

domingo, 4 de novembro de 2012

Querido,

As perguntas que a presença tua me suscitou foram a própria faca cravada num peito que não sabe de resposta alguma; perguntas tais quais: afinal, o que sobrou de mim de lá pra cá? Mudei tanto que não me reconhece? O que disso tudo sou eu? O que de mim ficou em você? O que de nosso resta em nós? O que é teu em mim me é tão precioso que não quero mostrar para ninguém, como o segredo mais bem guardado - o meu amor é o segredo mais bem guardado, me entende? Será que essas perguntas passeiam pela sua cabeça num domingo à tarde?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Querido,

parece banal, mas não é: estou com saudade. O quê? Como assim? Eu explico: parece banal porque muitos já disseram isso antes, para você ou não, de modos inclusive mais belos; mas não é banal porque agora, aqui, na boca do lobo, eu pensei em você: como se o flashback da minha vida, no momento de me entregar ao abismo, fosse a imagem tua. Irônico? Curioso? E eu senti saudade... de quê? Eu me pergunto, de quê? Do teu mistério. Do que te ronda. Da tua presença agridoce. Do amor que eu sou capaz de sentir. E por isso te escrevo, porque essa saudade não cabe mais nos limites do meu corpo e eu preciso conseguir dormir.

Nina,

sabe?
Eu também tenho vontade de gritar! Gritare gritare gritare!
Acontece que o grito não sai. Por isso não podem tocar o plexo solar: ele guincha de angústia. E assim é o meu corpo: uma dor incoberta, secreta, implodida. Eu sou o grito implodido da noite. Eu sou a própria noite - e por isso quando faço barulho todos se assustam. Eu sou a noite calada - e as minhas estrelinhas queimam em silêncio, onde nenhum pode ouvir - podem apenas ver a luz e creem ser indolor. Acontece, menina, que eu não sou indolor! Tenho o plexo em chamas, como as estrelas da noite. Minha alma arde e eu sinto raiva, impotência, medo... mas você não sabe, porque eu não te contei. Pois bem, agora digo. Eu também tenho cortes incuráveis.

sábado, 6 de outubro de 2012

Qual é a distância segura de um abraço? Como não enterrar minha cabeça entre os seus braços e deixar que você me leve para o teu mundo? Se eu realmente desejasse estar de mudança para os seus labirintos, mas e se para você tudo não passar de um pega-pega entre braços e cintura? Até onde podemos ir? Onde é mais seguro: dentro ou fora de você? Eu fico me falando "honestamente, minha filha, onde é que você quer chegar com isso?"
E a resposta que me dou é sempre a mesma: não faço ideia!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

- Por que tão silente?
- Os fantasmas estão num sono leve, muito leve... mesmo se sussurrasse tudo o que desejava te dizer, eles acordariam. Depois de ditas, as coisas se tornam reais. E quem é que cantará as canções de ninar aos meus fantasmas?
(...) você tem a gana de salvar o mundo com as próprias mãos, minha filha, e por isso anda assim: fodida, destrambelhada, sem lugar para se apoiar. Você tem essa arrogância de aspirar a salvar os outros, como se esse seu sorrisinho impotente fosse realmente capaz de ajudar alguém. E eu te digo: não! Não é o suficiente! Esse gosto amargo de cigarro não sai da boca. Você precisa se salvar antes. Ou enquanto. (...)

sábado, 15 de setembro de 2012

Estrela não gostava quando confundiam seu nome com Estela. Ora, Estrela não era histérica.
E Estela é um nome um pouco histérico, convenhamos.

domingo, 2 de setembro de 2012

Estrela e o moletom

Estrela camuflava com lápis pretos (sombras e luzes) um olhar penetrantemente profundo e com cremes diversa juba de leoa. Tudo para não assumir que no fim das contas era mais um dos seres-moletom.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Alma fractal

Eu não sou, embora seja. E o mero ato de aqui estar já basta para que não. Este estar é um eterno cotovelo na costela: estar no lugar dos que são sem ser... um debater-se no silêncio da morte (será o silêncio da morte igual ao silêncio da paz?) sem saber. Teorizo e todos os meus postulados são falsos, incapazes de descrever qualquer realidade. Poderia preencher todas essas folhas com as mentiras que conto. Estou, apesar de não estar. Vivo banhada por um sol seco, que queima o que se aproxima. Sou um sol oco e impermeável - e por isso a solidão é tão bem-vinda... porque sou, apesar de não ser. E porque tenho em mim todos os medos do mundo.

(os sonhos, deixo para Pessoa)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A questão, meus amigos, é que os potes estão sujos embaixo. O que eu quero dizer com isso? Se um pote está encardido de gordura, poeira, com molho grudado, lascas de madeira - e quaisquer outras coisas- na parte inferior, tanto faz em qual mesa vamos apoiá-lo - pode ser a mesa de cirurgia do cardiologista do presidente! Tudo vai continuar imundo. A questão não está na mesa, mas no pote.

sábado, 25 de agosto de 2012

LORENA -Estou cansada não nos sentidos banais da palavra e a sua ausência é como um cotovelo nas minhas costelas.
JOAQUIM - Como assim?
LORENA - Estou cansada, não como quem liga a TV, mas como quem precisa de algo que o ponha em movimento...
Quando penso nos seus 'nãos' e em 'adeus', parece-me que o ar se reduziu a uma pontada fina de dor.
Entendeu?

domingo, 19 de agosto de 2012

Querido,

eu tô tentando, você sabia? Eu estou tentando ser... ser o quê?
Estou tentando ser gente, primeiro de tudo. E ser uma mulher, além de ser gente. Ser uma mulher que não seja uma mera mulher que só é mulher porque tem a estrutura certa pra carregar uma criança dentro da coluna. Tô tentando ser uma mulher capaz de: conversar sobre coisas gerais e explicitar opiniões próprias (capaz de ter opiniões próprias...); ter senso crítico e político; amar muito uma pessoa, a ponto de me rasgar e beber água sanitária em noites de sábado; estar sozinha, plenamente sozinha, sem me esquecer de que ainda assim sou social; viver experiências por elas mesmas, e não para outrem; ter uma inocência mortífera; fazer coisas boas a mim e aos meus; entre outras coisas.
Mas acontece, meu querido, que tudo isso tem sido em vão e eu ainda não consigo sequer olhar nos olhos do outro. Estou distanciada. Não consigo cuidar de você. Não consigo tirar a mente dos meus medos. Estou paralisada. Não consigo estender a mão generosamente. Não consigo pensar em nada que eu precise falar para o mundo. Dos 32 únicos temas universais, não sei dizer uma palavra de quaisquer. E daí que eu comecei a questionar assim para onde é que eu posso ir? Por onde começar a cada vez de novo e de novo? E onde é que estou agora (só sei assim: estou longe.)? E o que é que você espera de mim, eu me perguntava. 

E não tenho nenhuma resposta.

sábado, 11 de agosto de 2012

Está com medo, bicho? Vê seu destino se esvaziando por entre os dedos? Tornou-se mais uma vez uma criatura acuada num canto de sala, um mero espectador da sua própria sorte? Bicho mau, seu bicho mal educado e sem expectativas de melhora! Você sabe que é muito pouco e esse saber te encerra numa jaula hermética? Arreganha os dentes para qualquer um que te oferece uma companhia? Não deixa ninguém entrar, mesmo que seja para te alimentar? Sente que a qualquer momento vai explodir pelos poros, animalzinho doméstico? Está paralisado, como se a própria vida gritasse aos teus ouvidos: REAJA e outras palavras dúbias sobre seguir em frente a qualquer custo, apesar de? Se sente impotente e fracassado por não saber o que quer responder para tudo?


(eu também.)

A Conclusão é a seguinte:

Se você não está
a vida fica muito lúcida
e tão pouco lúdica...
exatamente no mesmo instante em que descobri que ainda não estou morta
e voltei a sentir meu coração pulsando do lado de dentro
(não apenas para me manter biologicamente aqui-agora)
...
me dei conta de que posso morrer a qualquer instante!
: a partir dali todos os motivos que me uniam a ela já não eram mais O Grande Motivo e O Grande Motivo era um outro momento-de-vida (posso colocar nessas palavras?) e significava, mais do que salvar aquele corpo frágil que implorava por ajuda, salvar a minha própria alma e quem sabe merecer o Reino dos Céus Agora e Na Hora da Nossa Morte - e eu, naquele profundo grito egoísta, desejei o rejúbilo e as congratulações por estar ali, no lugar que me havia sido designado quando 'eu' era tão pouco Perto De: Perto De Tudo Que Aquele Momento Exigia. E quando ela se perdeu de mim me dei conta disso tudo, com todas as palavras, eu fui muito pouco em comparação ao que havia passado; e assim, com a alma retornando ao Reino do Fogo e todos os músculos atrofiados de medo (por quem?) chorei por trinta dias e trinta noites até a penúltima lágrima secar.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Caixas Pretas

O chão do ator é todo riscado pelas mesas e cadeiras imaginárias que insiste-se em arrastar.
"O nosso problema é que vivemos dentro de quatro paredes pretas..."
O chão do ator é sempre molhado pelo suor de corpos que não temem a escuridão - mesmo porque as paredes são pretas para que dali surja a qualquer momento uma ideia pra se imaginar - e que não temem o silêncio - já que pintamos de preto as paredes do nosso corpo também, para que dali surja a qualquer momento uma ideia para pintar no espaço... Não escorregamos! Não nos esquivamos de nada.
Dentro de alguns negros metros quadrados, nós somos a luz.

domingo, 3 de junho de 2012

Joaquim,

talvez seja a ideia da morte. Porque sempre que alguém nasce nós também pensamos na outra ponta, e a cada natal lembra-se da velha avózinha que fazia os melhores biscoitos e há tempos nos deixou com o gosto da farinha na boca, com o cheiro dos colos e travesseiros mais macios do mundo no corpo e com a certeza de que Deus é mais feliz porque lá em cima está experimentando sua incrível companhia...  Talvez seja porque nem todas as sentenças são terminadas com ponto final, mas aos que bem compreendem a língua esse sinal não é tão necessário... não é que eu queira me explicar, Quim, mas sinto vontade de chorar por todas as palavras que não escrevi. Tenho a impressão de que cada uma delas é uma parte de mim que morreu; que tem morrido sem qualquer chance de escapar. Eu queria te levar para o mirante e tomar chocolate quente enquanto a noite chega, mas essa é uma palavra que eu não escrevi. Sequer falei. Não é que eu queira me explicar, meu amor, mas te ver nascer e te reencontrar bambo das pernas me faz chorar. Eu queria que a minha presença fosse um enorme abraço para você, que te esquentasse e te fizesse crer na sua avózinha que passeia pelo céu,  mas parece-me que estamos sempre à distância de um braço...

http://www.youtube.com/watch?v=dPfgRN4cyXU

domingo, 20 de maio de 2012

Pai,

continuo tendo medo do escuro e essa noite quis levar o colchonete para a beirada da sua cama e dormir aninhada pelo som da tua respiração. Continuo tendo medo do escuro e do silêncio. E por isso distribuo palavras pelo ar, como malabares, e caio apenas em cimas dos colchões.
No fundo eu não mudei tanto assim...

Me permito ser assombrada pelos meus fantasmas

Quando descobri que ao me debater-resfolegar-choramingar todos os olhos da noite se viram para mim, eu permiti e deixei que meu corpo descansasse sobre a sombra. Qualquer sombra. Tuas mãos são duras, mas mesmo assim tentam me acariciar... desta vez não vou ter medo. "Aí vindes outra vez,"! Talvez ao contrário: se meus braços se esticarem na sua direção, tentando alcançar o seu corpo; talvez se eu te convidar para dançar, da treva fiat lux? Por quê fugir do que sou - e o que mais eu sou, o que mais no universo eu poderia ser?, além de um corpo delineado pela própria ausência?
Mais um solilóquio.

"Aí vindes outra vez, inquietas sombras!"

domingo, 6 de maio de 2012

O Pianista

Quando seus dedos desenharam o primeiro acorde no meu corpo
todos os pombos da praça levantaram vôo
e vieram para mais perto.

sábado, 5 de maio de 2012

Canção do desapego.

Estou compondo uma canção
de ninar, uma cantiga
Um rockinho à moda antiga,
a valsa da valsa
e no último momento
adiciono o novo compasso
de um tango violento:

Para nunca mais te olhar nos olhos
Nem descascar a fruta já morta
nem escutar um piano desafinado
a desatar canções tortas.
Minha alma não escuta a tua guitarra elétrica
nem quer saber de alianças e mãos atadas.

Meu corpo se despede e sem hesitar
Rodopia a três por quatro
e fecha a porta silenciosamente
atrás de si.

Na hora do almoço

: sou infeliz e tenho vergonha de ser quem sou. 

você falou de repente as palavras, com todas as palavras. 
talvez elas nunca tivessem sido ditas.
Acho que não...

fingi que não. 
separei dois dentes de alho
penteei seus cabelos com a faca
e a cebola nunca mais me fará chorar.

Ela tinha medo de bicho e por isso quando ouviu o primeiro som do trovão se escondeu debaixo da cama e nunca mais saiu de lá.

domingo, 8 de abril de 2012

Gabriel,

sonhei que você me dava um pedacinho do seu quarto pr'eu arrumar... pr'eu manter bem limpinho... algo pequeno - que seja! - como o criado-mudo, bem debaixo do abajur, que ainda tem uma lata de Budweiser esquecida. Ou o espaço entre o Drummond que te dei de presente e o Amor Nos Tempos do Cólera que te emprestei - e sei que você nunca leu! - em uma das estantes de livros e jogos e memórias... no meu sonho você me entregava e pedia honestamente: cuida pra mim? E como é do meu feitio eu te abraçava e prometia claro, com toda a certeza. Nem precisa pedir de novo. E como é do meu costume me poria como leoa em cima dos meus centímetros quadrados - e que mais ninguém se aproxime pra roubar o que é meu! - e eu olharia por eles e limparia cada farelinho de poeira que caísse e eu organizaria as coisas em ordem crescente de tamanho ou importância e esconderia da tua vista o que você não gosta pra você nunca pensar em desistir... de mim ou de você, não sei. No meu sonho quando você se sentisse exausto de ter de cuidar de tudo não só no quarto, mas na casa, no quintal e até na rua, ainda haveria aquele pensamento calmante de que pelo menos o criado-mudo está bem cuidado, porque a sua velha amiga não saiu de lá nem por um segundo e ela está te ajudando em silêncio... ela está te amando em silêncio.

sábado, 7 de abril de 2012

LORENA - Sabe, Quim, às vezes me olho no espelho e me amo. Amo o jeito do meu sorriso e o meu olhar que pode ser sedutor mas pode ser tão ingênuo...! Eu adoro o toque da minha pele e o roçar das minhas coxas e me sinto linda. Às vezes amo tudo em mim, minha voz e meu jeito de ser irmã, amiga, amante tua ou de qualquer outra pessoa. O que me deixa encafifada é que justamente nesses dias eu sinto uma vontade - não! Não é só vontade, é uma necessidade!! - uma necessidade inadiável de colocar as minhas duas mãos nos fios da rede elétrica...

sábado, 31 de março de 2012

Medeia

Assisto aos sonhos nossos sendo postos à prova: e falhando...
No reflexo o olhar treme. Embarga a voz. Falha o ar.
Não!
De novo não!
Enxuga essa água. Dela fazer-se-á grande represa, teu Trono ao Mar.
Controla esse corpo
Segura o teu choro.
És mulher e és bem mais que isso.
"Ninguém vai sambar na minha caveira!"
De novo não.
Deixo os filhos se degladiarem até a morte e assino embaixo:
mas eles já estavam mortos!

sábado, 24 de março de 2012

Diálogo das Flores Mortas

- Não é que sinto saudades da sua companhia; sinto falta de saber que você com certeza me ama.
- Mas desta vez não tenho dúvidas e o meu sentimento é o mais genuíno de todos: eu não te amo mais.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Eu, Ariana, filha dos meus pecados e mãe das minhas dores. Me apresento assim a ti, crua como os deuses escolheram; mortífera como nunca antes; autodestrutiva de unhas - ou garras - afiadas; mortal, inegavelmente mortal. Me mostro assim como se falasse a língua dos bárbaros e me lavasse na lava fúnebre dos vulcões. Eu não quereria me conhecer, não fosse o fato de que me sou. Não pedirei que não tenhas medo de mim, pois sei que meus dentes arreganhados assustam. Mas também sei amar, voluptuosa e candidamente. Peço apenas, então, que tenhas coragem de vir. De colar o teu corpo no meu corpo triste e inconsolável e me prometer que eu não sou assim, que tu já descobriu o meu Grande Segredo, que tu já descobriu que eu também sangro... Que tenhas a coragem de cuidar de mim mesmo se a Lua virar e eu quiser morder e chorar ou descer pro mar, a brincar de Ismália... Imploro que tenhas a coragem de vir me ver.

Querido,

Preciso do seu silêncio: antes dele eu não existia. Antes de conhecer a tua ausência ainda me faltava algo; algo do que sentir falta. Me perdoe se lhe pareço confusa, mas esta é a minha maior e mais imediata descoberta: eu não existo sem a falta de ti. Não sei nada da sua pessoa e é justamente esse ignorar-te por completo que me faz continuar, caminhar na insegurança do teu terreno incerto. Tu és pleno na minha imaginação e pleno mistério no dia-a-dia e se te escrevo cartas é porque não quero!, não quero transcender o esse teu portal. Eu não quero descobrir a tua fisicidade. Eu não quero descobrir o teu cheiro. eu te quero assim: interrogação e mistério. E é esse o homem que eu escolho amar.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Inventei uma história de amor

Eu amo os seus olhos que assim vistos de baixo parecem ainda mais sábios... eu amo os seus olhos que são da cor da lua e que quando eu te vejo, muito de perto, lacrimejam como se você estivesse procurando A Grande Resposta dentro de mim (como se eu pudesse ser A Grande Resposta, talvez). Eu amo o cheiro de Dama-da-noite nesse jardim onde te encaro e não sei como te provar que te amo acima de todas as coisas. Amo as tuas mãos que brincam com os meus cabelos como se eles fossem os meus pensamentos - e amo a tua calma ao bagunçar meus pensamentos. Eu amo o teu jeito, o teu trejeito todo, completamente teu, eu amo o modo como você mistura o ar ao passar, como se houvesse música... como se os anjos tocassem alfaias só para você viver de batuque... Deixa, tu deixa o meu coração ser a tua alfaia?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Carnaval

Um bloco na rua cantando repetidas vezes que o meu destino vai ser como Deus mandar! As minhas pernas balançando por todos os lados, na tua direção ou não. O surdo 1 e o surdo 2: sístole e diástole descendo a Santa Izabel. A tua receita de caipirinha, a caneca que nós vamos dividir. A promessa de vida que nós vamos dividir! Eu quero descer a Santa Izabel do lado de vocês, vocês, não importa se o sapato machuca o pé ou se a Skol está mais gelada que a Brahma. Bateria! Mais bateria! A nossa escola de samba é Altaneira... O nosso samba nasce de quem nós somos - não o contrário. Eu quero é botar meu bloco na rua! Os corpos rodam, as saias rodam, nossas mentes rodopiam e se entrelaçam como os dedos dos que se amam... Quem sabe a bateria tenha acabado antes da hora e eu seja obrigada a antecipar a Quarta-feira; mas do nosso sangue e da nossa fúria, da cerveja na rede e do amplificador dentro da sala - deles não há quem esqueça ou apague.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Fui escrever um samba
pelos nossos bons tempos
a caneta sambou
e rabiscou o papel:
perdi o jeito, endureci as pe(r)nas!
Vem de longe pra me ensinar
como é que se faz?
Como é que se faz?

domingo, 29 de janeiro de 2012

Fiquei lisonjeada que vieste ontem me ver! Vieste ontem me ver? Ou vieste anteontem? ...
Ou não vieste nunca... Creio que nunca. E eu, a tua boneca ingênua e dissimulada, continuei te esperando, sentada no sofazinho branco por horas... horas. Como não vinha, como não viria nunca, chorei por dias e dias e dias. Quem sabe meses ou anos?! Mas sem nunca sair da soleira do sofazinho branco com vista para a rua e para a porta que poderias atravessar a qualquer momento. Como se o destino viesse a nos unir num dia desses de muito sol ou muita chuva em que procurarias abrigo debaixo dos meus bracinhos brancos que te abraçariam e dentro de mim ficarias para sempre.
...
Pois que o tempo se passou e eu não caibo mais no vestidinho angelical. Foi quando resolvi abrir as portas da minha casa aos outros: a todos os outros que por aqui quisessem passear. Troquei as cores e as medidas do vestido. Troquei as cores da maquiagem e expus os braços a quem quisesse ver: ou tocar! Foi assim que se deu.
Mas se quiser aparecer... ah, se quiser aparecer ainda me encontrará no mesmo sofá puído com vista para a porta e para a rua... aguardando.
Te ouvindo dizer repetidas vezes que me ama: como um homem durante o sexo promete à puta que com ela se casará; que seus filhos serão dela que constituirão uma família e serão realmente felizes. Eu sou a sua puta: ouvindo as mentiras tuas a sós, só. Eu sou a puta que chora grávida de um orgasmo seco; pago com folha de cheque. Eu sou a puta sem treino que acredita que você me ama repetidas vezes - e que morre sozinha num quarto sem nenhum móvel.
Mas nós sabemos que em nossos encontros não é como se o tempo não tivesse passado. Bem pelo contrário: cada segundo de ausência é uma nova ruga na fronte de 'nós', mais e mais profunda, ir-re-pa-rá-vel. A cava vez juntos me parece ainda mais que tentamos batizar um corpo pétreo, sem vida alguma - e insistimos que não, que a vida no habita. O tempo tem sido cruel para nós. E não teremos nunca coragem de dizer uns aos outros: com licença, meu caminho vai para a esquerda e o seu, para a direita - e tenho pressa!. Nós ficamos no meio. Um pouco mortos, uma lufada de ar, um suspiro frouxo. A um passo do vazio. Um enorme silêncio agora. O que nos unirá para o eterno?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

- É, Bianca, é bom te ver de novo! Você continua bonita como nunca, os lábios ainda mais sensuais com esse tom vermelho vivíssimo vibrante e os olhos de gata poderosa...  mas a mim você não engana! Eu te olho nesses olhos delineados, te olho fundo nos olhos e sei que você pinta a boca todas as noites dizendo a si mesma que 'essa vez vai conseguir ser ainda melhor do que as outras, mesmo que todas sejam perfeitas', com um sorriso bobo estampado na tua carinha, quando na verdade é tudo uma grande merda sua vida vazia como sempre sem qualquer perspectiva só, completamente só debaixo de camadas e camadas de maquiagem...

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Pas de Valse

E também há isso: nos imagino rodando ao som de yann tiersen summer 78, galgando as alturas como se a superfície do mundo fosse um enorme trampolim: e lá em cima rodopiamos juntos, a valsa mais allegro que já foi composta, mais e mais allegro, minha saia forma um véu ao nosso redor, tua mão na minha cintura, segura, em casa, você é meu danseur noble, meu cais, você ensinando ao sol como é que se abraça sem machucar, mostrando aos anjos como é que se respira sem sobressaltos, valsas e valsas que não se acabam, troppo! Palmas e pianos, palmas e cítaras, palmas de Deus que nos assiste - ardor e delicadeza, o movimento e o contra-movimento, o amor e a raiva, o impulso e a queda, tudo em nós dois, uma última esperança, um solfejo

e cairemos como o último vaga-lume amarelo, um último compasso
ternário ou não.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Eu amo te deixar para trás por ter certeza de que àqui retornarei. Eu amo as milhares de luzes que se acendem no instante em que viro a última curva, prestes a te agarrar nos meus braços e te beijar os olhos como quem implora para que não faças comigo o que contigo cometo, pois eu não sobreviveria à ausência irreparável do teu rumor do teu arfar incessante Eu amo ter a certeza de que te encontrarei como sempre, caloroso e indiferente aos meus gritos e às minhas súplicas, me assistindo do alto de suas luzes brilhantes com um olhar calmo sábio paciente que me julga sem julgar que me acolhe me mandando embora; e amo quando o meu ritmo se acostuma com o teu, como fusos que se encontram do outro lado do pacífico, e eu saio pelas ruas plena da certeza da grande, da majestosa, da definitivamente insuperável adoração que tenho por ti... eu amo quando os teus braços longos me ensinam um novo caminho através de, para superá-lo ou me superar Amo as estradas e as respostas ágeis amo o silêncio noturno e a histeria noturna. Eu amo me perder dentro de você. Enfim.

E então a iluminação:

para me tornar mulher, preciso deixar de ser café-com-leite na vida!