quarta-feira, 24 de março de 2010

Agora era tarde demais. Ela já tinha voado,
mas já tinha caído
mas já tinha levantado

e as pernas quebradas,
o trauma quebrado

e ela quebrada,
mas o coração
pulsando. pulsando. pulsando.

quinta-feira, 18 de março de 2010


Esticou os olhos por curiosidade, apenas para senti-los arderem de ciúme, com uma dor tão profunda que não poderia pronunciar. Foi como uma morte.
Foi então que eu entendi. O lobo é o homem do lobo. O gato morto, caído do telhado. Eu sou a minha loba de garras frias que se morde e se coça e coça a própria sarna e rasga a própria dor, por dentro, para sofrer mas para se perdoar pelos crimes atrozes que cometeu contra si mesma. As minhas unhas apertando a jugular e eu querendo ser a leoa impassível que me mostraria os dentes e me acossaria num segundo, mas eu posso ser apenas a gata de uma vida só que quis saber como era ser pomba e do telhado escorreu pelo pavimento, sem saber que a gata tem mais de leoa livre que a pomba e que a loba se estrangula porque não é mais a mordida ou a sarna que lhe estão coçando, mas algum outro lugar que de cima do telhado não alcançaria. Foi como uma morte.

terça-feira, 16 de março de 2010

A tempo

Ouça: meu coração bate no tique do teu relógio
mas eu não sei lê-lo no teu pulso,
taque
e eu pedindo para você me interpretar as horas
tique
pra você me abraçar,
taque - não me largue no titubear do tempo.

Venha! Mas não perca a hora,
pode ser de você chegar cedo demais
e eu estarei perdida num outro pulso
ou pode ser de você chegar muito tarde
e eu já não vou acreditar em mais nada
e talvez não permita que você entre.

Mas venha,
venha quando puder,
burle as leis do meu mundo
(que ele nem gira no tempo do relógio)
abra as portas: estão apenas encostadas.

Venha, me salve do meu tempo ocioso
das minhas horas de dor
venha, me salve do meu auto-flagelo atemporal
venha... e faça do teu tempo meu tempo.
(que não passará)

domingo, 14 de março de 2010

Etiquetas II

Não passar a ferro
não utilizar alvejantes, amaciantes,
não esfregar sem pudor
não bater na máquina de lavar

Composição:
80% amor
15% medo
3% esperança
2% elastano

Etiquetas

Favor bater na porta antes de entrar.
Favor esperar que os outros se sirvam de carinho, todos precisam.
Favor utilizar o tom sereno.
Favor manter a calma, amar é bom, mas dói, mas passa.
Favor não assustar os transeuntes: a tua dor é como um teu osso, não pertence a mais ninguém.
Favor amar silenciosamente: o teu amor é como o teu ciso, não pertence e mais ninguém.
Favor não trocar a ordem dos talheres, dos pratos, dos dias da semana.
Favor munir-se de bom senso, amor próprio, auto estima.
Favor respeitar o alarde alheio, respeitar a dor alheia, respeitar a falta de boas maneiras alheias.
É de bom tom amar com alguma tristeza, é de bom tom amar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

E se eu fui embora
foi por querer...
pra você ver que isso não era amor,
é só precisão
de um colo quente, de um beijo quente
não é amor!
É necessidade de atenção
eu fui foi pra você pensar
Pra você entender o que eu sou
eu sou é troca!
Eu sou quando todo mundo se divide...
Você pra ele ele pra ti
Entende?
Eu sou quando vocês pecam
e são cúmplices no crime
- e não testemunhas, apenas -
Dar não é amor
Eu sou doação de dois... De dois!
Por isso te deixei:
pra você me entender melhor.

Mas não esqueça de manter
as portas, janelas, os olhos abertos
porque eu volto, garota...
Ah, eu volto logo...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Ermo.
Meu coração em ruínas...
Quieto.
(Morto)

Mas você, como um arqueólogo,
trouxe teus instrumentos e com carinho
(com o carinho de quem encontra uma civilização)
retirando o pó, a cal,
retirando as células-tronco do amor, mortas
Retirando os fósseis submersos
limpando os átrios, as árias,
Você com cuidado
me descobrindo inteira
E eu descobrindo
que, apesar de tudo,
Apesar do pó,
apesar da guerra
que dizimou a população,
apesar de mim...

Meu coração ainda bate
(você desobstruiu a passagem)

terça-feira, 2 de março de 2010

À palavra escrita

Obrigada.
Obrigada, digo mais uma vez.
Muito obrigada!
Tua segurança me transpõe
teu silêncio branco de papel,
teu silêncio limpo
me abre as portas do alento
E quando escrevo em silêncio
é quando descrevo o turbilhão
o caos que são essas palavras
gritadas ao meu ouvido.
Enquanto ouço anjos sussurrando
e num gesto de carinho
me contando bem baixinho
que a paz é pegar o lápis
e escorrer para dentro do papel.
E, afinal, os vazios nem sempre devem ser preenchidos!
Querido,

a minha alma é silenciosa, de um silêncio assustador - que te vai engolindo, engolindo... E é este ser humano que lhe escreve quem, paradoxalmente, morre de medo do silêncio, como se fosse um vazio que precisa ser preenchido quando, na verdade, o silêncio é o que há quando não há mais nada para se preencher, é quando finalmente se atinge a completude.
Portanto não pense que me conhece a fundo por me ouvir falando. Saiba que você me atingirá apenas quando, por um segundo que seja, conhecer comigo um pouco do silêncio.
Os meus silêncios me ultrapassam!
E não será surpresa
se um dia, por acaso,
você ver brotar
de dentre os meus lábios
uma flor que eu cultive
numa roseirinha
protegida por uma redoma.
Uma florzinha
que lhe faça lembrar da tua alma.

Sobre Deus

O meu Deus é
a borboletinha
que mora no centro das nossas almas
e passa o dia todo brincando
de fazer coceguinhas
e, de algum jeito,
nos dar coragem para continuar.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Poemas para o vento sempre são de amor, mas poemas de amor nunca são para o vento.

Peça em um ato

Primeiro ato
(Abre a luz)

Apaixonar-se

(Cai o pano)



(afinal, apaixonar-se será sempre a introdução, o clímax, o anticlímax., o desfecho, a vida...)