quinta-feira, 28 de julho de 2011

Foi assim:

O toque macio de grão por grão, como se o mundo me acarinhasse. A pele. Envolvendo um corpo estendido na areia. Como se o vento fizesse cafuné nos meus cabelos, cantando baixinho que eu ainda não morri. E eu jurei que lutaria com todas as armas: assim, uma esperança absolutamente inédita explodindo de dentro para fora, calafrios, tremeliques, danças na pausa que se fez, dentro de um abraço de concha e areia. E então: desejei. Como nunca antes. Desejei ser muito, muito, muito feliz. Com essa simplicidade toda. Desejei ser feliz e imensa. Desejei ser plena. O gozo, o gosto bom de ser livre. Muito livre e muito plena. Era isso, Deus - ou os orixás, Iemanjá, o Divino, Zeus, Amon-Rá, todas as entidades realmente poderosas desse cosmo ou dessa alma que escreve - me entregando em cada grão de areia um motivo para. Um mol de motivos para. E eu fui.
era tudo o que sobrou daquilo que um dia nós fomos: uma raiva profunda; um rancor amargo; quem sabe um certo ódio latente, prestes a explodir. E uma saudade, daquelas de olhar para fotos-bilhetes-e-outros-sinais-daquilo-que-um-dia-nós-fomos e ficar assim se perguntando o que teríamos sido se, ou elucubrando sobre qual seria seu paradeiro ou se porventura você ainda pensaria em mim nas tardes mais ou menos ensolaradas de setembro- ou qualquer outro mês. -, como aquelas de quando nós fomos. Foi o que sobrou. E por mais que tentasse me livrar dessas últimas ruínas, não havia Adeus completo. Eu ficava listando quais são os 5 passos do luto, aquela baboseira toda de raiva-negação-barganha-depressão-aceitação e percebi que eu alterno entre elas sem nunca chegar na aceitação. Sabe. Acho que é porque você não morreu - nem eu! -, nós só não somos mais. E aí eu às vezes acordo com o gosto do-que-sobrou-daquilo-que-um-dia-nós-fomos na boca, e é um gosto ocre de fracasso, de impotência, sim? E então não posso mais dormir e fico mastigando essa coisa amorfa e podre que é o amor-que-acabou-sem-que-realmente-houvesse-acabado... até o próximo amanhecer.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

,

o mundo é ingrato a todos os desmedidos. A mim, que amo desmedidamente, a ti, que és a indiferença incontrolável. Cuida, rapaz, cuida dos que te protegem, pra que você não fique sozinho, realmente abandonado na sarjeta ou no escuro do quarto. Por mais interessante que você seja, ninguém suporta por muito tempo ter certeza de que é dispensável. Por isso cuida, explicita as coisas que se passam aí dentro, seja mais que intenções: sê ações. Segura na mão do outro, estuda bem quem se propõe a atravessar ao teu lado; não deixe de lado os que te querem bem. Leva isso pra vida, menino, pra não acabar solitário no mundo.  Pra não acabar vagando, sem ter pra quem ligar quando você sentir medo do fim. Cuida, cuida, repito, é preciso cuidar e para cuidar é preciso coragem para olhar para as feridas pestilentas de quem se põe ao seu redor.  E todos temos feridas abertas, o sangue escorrendo, infecções, cortes, enfim. É preciso perder o nojo da humanidade para encontrar o seu lugar dentro dela. É preciso doar de si: o sangue, um órgão ou apenas um abraço, um mero sorriso cúmplice, um jeito de se afirmar 'aqui contigo, meu irmão'.

domingo, 17 de julho de 2011

Vó,

hoje lhe escrevo porque, como sempre, não pude falar quando foi a hora. E preciso falar, mesmo que você jamais saiba: eu me esqueci, vó, que a morte também vem para os leões e outros Seres Especialmente Fortes Apesar De, eu havia me esquecido mais uma vez, vó, que a morte também vem para você, apesar de você ser uma mulher de garras e dentes e unhas e todas as outras formas de se proteger e se manter firme: afinal, como você poderia se proteger de si mesma, das falhas que podem ocorrer dentro do seu corpo sem que você possa se colocar na frente de hemoglobinas, plaquetas, leucócitos e outras coisas minúsculas que insistem em não funcionar, em sangrar por dentro, em impedir o perfeito funcionamento, etc? Como você poderia entrar dentro do próprio cérebro e impedir mais um acidente vascular prestes a ocorrer, a qualquer momento? E foi ali, vó, dentro daquela sala comum de UTI, vendo você dormindo tranquilamente - apesar de. - que eu pude ter certeza que quero ser uma mulher como a senhora, dessas que acordam e, com um sorriso banguela e os olhos cheios de lágrimas de gratidão porque a sua netinha veio visitá-la, juntam a coragem para humildemente pedir desculpas por ter estragado o meu aniversário - sendo que aquele momento estava sendo o meu maior presente: o teu sorrisinho banguela e a tua mão com eletrodos ou seja lá qual for o nome daqueles fios pendurados monitorando a tua força vital, vital, humana vó! E então agradeço às Forças que regem o universo, que não foi desta vez que te perdi pra sempre, mais uma vez sem nunca ter dito que te amo, te amo te amo, nunca disse porque nunca juntei coragem, nunca porque você sempre foi forte demais: e então você ali com toda a coragem do mundo de lutar contra o medo da morte.
Obrigada, vó, por continuar me ensinando, mesmo sem perceber, na maca com eletrodos e um sorriso sem dentes...


E por favor alguém me traga essa dentadura!!

(Que é pra você morder a morte com toda a tua força. E afugentá-la.)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Andrajos

que era esse meu novo desejo de ser outrem: sei lá, fazer coisas erradas e não me importar muito. era esse meu novo jeito de fugir, porque estive e estou precisando de escapes, escapes já que não tem sido fácil ser esse monte de casca e pele e dor orgânica que eu me vejo hoje, diante desse espelho que é uma lasca do infinito e me mostra: indigente. tô sentindo tanta coisa ruim, sabe, diriam que estou me destruindo e acho que sim. é a falta de escapatória. vejo o Mar e o Mar é gigante mas não tenho como me aninhar nele e nele esperar tormentas tempestades e outras tragédias naturais - ou não - passarem. entende?, por isso ser outrem, para sobreviver por um fio de cabelo, irreconhecível ao resto do mundo ou de mim mesma, irreconhecível porque aquele último abraço continua tão dolorido aqui dentro, como um último abraço de adeus quando era 'não, fica por favor' mas não há como ficar, estou precisando de carinho, eu acho... um lugarzinho quente onde possa me aconchegar e que alguém venha e faça cafuné nos meus cabelos, sem me dizer nada, sequer uma palavra. Repito: não preciso de palavras. Porque palavras dissimulam demais e dissimulação já é a minha arte: quando tudo que eu quero é chorar mas rio alto que é pra que todos saibam que está tudo bem mesmo quando não, não está nem um pouco bem, sabe? E esse meu riso estratégico é um jeito de ser outro ser, mas um ser incompleto porque voltar pra casa é perder a persona e perder o brilho ou seja lá qual palavra se quer utilizar nesse momento, eu sou opaca... triste... fraca...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Querido,

hoje preciso de ajuda. Um ombro, uma mão, um corpo, qualquer coisa que me apoie de qualquer jeito... preciso poder abandonar meu corpo, minha cabeça, minha mão - qualquer coisa - noutro ser pulsante. Não preciso de tua voz nem de tuas palavras porque não preciso ser consolada: preciso de mais que isso. Preciso poder permitir que meu choro inunde rios, rios amazonas tejo nilo prata tigre paraná tamisa...  Preciso me deixar do lado de fora da sala, junto com o casaco e os sapatos, e assim descobrir até onde minha força me leva. Preciso que algo muito bom me aconteça, para que eu continue sendo capaz de sonhar: que vai melhorar, que vais mudar, que o dia ainda não acabou. A tua partida é um pouco como a minha partida, me entende? É como se levasse contigo mais um pedaço meu - e tenho perdido tantos... Ao ultrapassar essa porta te perderei para sempre. E, portanto, me perderei também. Como te resgatar?, me responda por favor! Como te resgatar se tudo sempre te leva mais pra longe, tão longe que meus braços são incapazes de te segurar sequer pelos trapos da roupa? E hoje eu sei. Hoje eu sei que não há mais volta. E talvez me faltem forças pra suportar mais uma vez...

domingo, 10 de julho de 2011

and i love you so much, i'm gonna let you kill me

o plano é te arrancar da minha vida aos pouquinhos: como quem esfrega desenfreadamente a pele a fim de se livrar de uma tatuagem. Uma foto que retirei do mural (mais uma vez), achando que retirar fotos de um mural seria suficiente para me livrar de um parasita que há muito se escondeu entre os meus cabelos, n'algum canto escondido da pele, e me tem atormentado os pensamentos, as noites insanas de insônia etc etc etc. Como se não me permitir ler tuas palavras fosse o passo decisivo pra não mais ser atingida; mas sou atingida pelos pensamentos teus, tão perto que sou capaz de sentir tua presença e seguir teus passos. Sem anestesias, com facas pontiagudas corto minha pele, como se uma sangria fosse capaz de estancar o veneno que é bombeado não apenas para os órgãos, tecidos, células etc etc etc mas para mais dentro, mais, mais... tão dentro que às vezes creio que o que me ocorre é morte múltipla, parada cardíaco-cerebral-almática entre outras coisas... então finjo que não e ainda sorrio enquanto rasgo, queimo, quebro, rabisco, escrevo palavras e palavras cheias de raiva, rancor, mágoa...

inócuo.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

, e é por isso que me sento aqui na calçada e converso com você. Quer dizer, falo com você, porque sou uma daquelas mulheres que quando começam a divagar, o outro não tem vez. Mas eu já sei o que você tá pensando: em contar aos seus amigos que uma desesperançosa te interceptou no ponto de ônibus, bem na hora em que você ia abrir uma página de cruzadinha. Odeio pontos de ônibus porque sempre fico me perguntando se todas as pessoas estão indo para o mesmo lugar, se eu estou indo para o mesmo lugar que todas as pessoas... odeio também esses ônibus que dão tantas voltas em todas as ruas cinzas que até me esqueço do meu destino. Um cigarro cairia bem agora, no meio deste discurso. Mas eu não fumo. Se tivesse vontade, fumaria: mas não tenho. Nunca tive. E agradeço sempre por não sentir vontade de algo tão masoquista. Também não bebo muito. Quando tenho vontade, bebo. Mas não tenho vontade muitas vezes. O problema é que quando vem, vem um desejo louco de beber todas: conhaque rum vodca pinga vinho o que me derem na mão. Só sinto vontade de beber quando não suporto mais a realidade. E eu vou te dizer, menino, às vezes a realidade é a-ter-ra-do-ra.  Medonha, sim? Sabe quando você vê um filme de terror tão terrível que passa meses - meses! - com medo de olhar através das janelas? A realidade é bem isso que está atrás da janela. E às vezes eu tenho um medo fo-di-do de olhar através. É bem isso mesmo, menino, você vai sentir na própria pele, vai ver tudo com esses teus olhos castanhos. Ai ai ai... a vida costuma brincar de pega-pega com a gente...
O meu ônibus chegou! Você vem?!

Então nós não vamos pro mesmo lugar!

domingo, 3 de julho de 2011

Que seja doce,

eu implorava aos deuses e às forças motivadoras. Que seja doce e que seja natural, porque afinal quem é que suporta sentir dor por tanto tempo? Que haja luz, meu bem, pra você me olhar nos olhos quando chegar a hora. Uma garrafa de conhaque a tiracolo, que seja lúcido meu amor. O ponto é que ninguém aguenta por muito tempo ser quem se é... ininterruptamente. Que seja liso, plano, que não me corte a pele, meu amor, já que eu já tenho na alma umas porradas que não há descanso que resolva. Clareza, meu querido, é tudo que peço. Aquela clareza que nos faz encarar a vida e escolher. Finalmente, definitivamente... escolher.
eu que sempre fui a bambambam a dona Força com éfe maiúsculo, eu que me achava capaz de brigar com monstros meus e dos outros, com fantasmas meus e dos outros, a dona Vitória com vê maiúsculo, eu que acreditava num deus que não jamais resolveria nada em mim, apenas existiria com suas entidades e energias, eu que era daquelas que atravessam pátios e pátios sozinha mas com o mundo ao redor mas sem traumas, sem traumas meus amigos, eu que era Feliz com éfe minúsculo porque era uma felicidade frágil mas eu que acreditava que era tudo muito bem tudo muito bom sem traumas, o plexo solar em plena iluminação eu que via a solidão como a beleza do universo, a beleza dos séculos em ser minha e de todos que me amassem eu que vinha de prepotência e sucesso em tudo tudo, acabo de depositar francamente todas todas todas as minhas últimas esperanças com e minúsculo no Divino Espírito Santo, justo ele que antes era uma pobre pomba e hoje é o Divino Espírito Santo lê a fita vermelha que eu pendurei no teu mastro por favor me escuta os pedidos e conversa aí com os Santos e com o Deus com dê maiúsculo uma reunião de um minuto não vai comprometer a Eternidade de vocês, me dêem uma força por favor que tá me faltando lugar de onde tirar, nunca mais te chamo de pomba, ou talvez Pomba com pê maiúsculo, lê a minha fitinha Divino, lê pelo amor de Deus?

sábado, 2 de julho de 2011

Fé cega

O amor daquela mulher era mais que amor, era uma fé. Era mais que uma fé, era como se por amor aquela mulher, de tola, fosse capaz de atravessar desertos a nado, de joelhos subindo as escadas para o Olimpo, mergulhando através das eras, crendo crendo crendo... E qual não deve ser sua dor, sua frustração estuporada ao descobrir que não: que o seu Deus é uma farsa?

(...)

ando com uma latência, uma voz que fica me dizendo 'chora. chora. chora!' mas eu não choro. quase não choro. ando com essa coisa me apertando por todos os lados, como quem estrangula e retira o ar e sulfuriza o ambiente e aperta bem na boca do estômago bem ali no plexo solar sabe? ando segurando as pontas malemale, me dizendo 'você é uma força. você é.' mas não sou não sou não sou eu sou um bicho fraco que se construiu como templo, mas não sou não sou. ando com essa coisa, essa coisa amorfa e maldita me agarrando bem no meio da garganta dizendo que a esperança é uma farsa e me dizendo que eu já sabia que seria assim eu já sabia mas não quis aceitar. ando com essa potência, uma coisa que fica me dizendo 'grita. grita. grita!' mas eu não grito.