sexta-feira, 29 de maio de 2009

Do dia que não amanheceu

O mundo seguiu em frente, as pessoas saíram de casa, teve trabalho, teve escola, teve amor, teve sexo, teve divórcio, teve primeiro amor, teve último suspiro, prova de matemática, música, arte: tudo que se tem em qualquer dia normal, teve hoje.
Mas o sol não saiu. Nada, nem uma frestinha de luz. E percebi que todos já estão tão acostumados a não olhar para o céu que ninguém teve medo. Mas eu, ao olhar da janela, corri para debaixo das cobertas e esperei o dia passar, porque não poderia conviver com um dia à noite.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Névoa

Você pode me tocar. Eu não sou feita de plástico: não vivo em outro lugar. Só estou aqui, ao seu lado, e eu não tenho a menor idéia do que devo fazer. Essa é a verdade. A minha pele espera pelo arrepio, a minha mão espera pelo toque. Meu corpo também anseia. Os meus olhos esperam pelo cruzamento, em silêncio. Até a minha boca espera, um segundo, pelo menos instantâneo. Por aquilo que fica no ar. Vivemos na iminência, para sempre, e nesses dias frios eu tenho esperado, inteira, por um abraço sequer. Sem nenhuma palavra, apenas um segundo de paz, embalada ao redor de um colo que aninha.

domingo, 24 de maio de 2009

E se eu procurasse entre essas duas telas uma fresta na qual você está me esperando? Te encontraria?



Se eu, de repente, percebesse que nem sempre os olhos resolvem tudo, nem sempre a boca abre para falar o que se pensa, o toque não significa necessariamente carinho, o que da vida poderia-se concluir?
Que o pensamento é um. Que a resposta às vezes trai. Que a solidão dá medo. Que o sorriso pode ser triste. Que mãos dadas não são sempre amor, podem ser apenas um lugar onde se possa escorar. Ser triste é diferente de estar infeliz. Amar é diferente de estar feliz.
Nem sempre os olhos resolvem tudo.

terça-feira, 19 de maio de 2009






Não pense que foi um de seus beijos que fez com que essas rosas brotassem ao redor do meu pescoço. Foram os teus olhos, que de tão luminosos, permitiram a fotossíntese da roseira.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

De Mudança

Meu quarto está uma bagunça; Minha casa, uma baderna geral. A cama tem os lençóis revirados, ensimesmados em seus sulcos invadidos por tantas roupas. Meu caderno escrito tem profusas palavras esparsas que talvez um dia se encaixem. Mas, no final das contas, nenhuma bagunça se compara a esse caos absoluto instaurado em meus pensamentos, um caos físico bombeado para todos os átomos por já ter dominado até os músculos do meu coração.
Alguma ponta de esperança se inspira e pontua: logo estará tudo em seu lugar. Que eu espero esse logo, para ter tudo guardado em caixinhas facilmente encontráveis e controláveis, catalogadas e organizadas conforme relevância e cor. Guardarei apartadas algumas das lembranças que não pretendo esquecer; aquele beijo que não foi endereçado; a bailarina da caixa de música que não toca mais; luzes numa ribalta amarela; jóias de calçada; a música que vive a me esconder segredos e todo resquício de passado útil que estiver espalhado.
A primeira - e maior - caixa será destinada ao meu amor: todo o que ainda está por vir e todo o que já passou...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sambando

A gente sai pra desfilar a alegria,
à toa,
em qualquer quarteirão
e não me importo se você for bamba
ou já estiver bambo
de tanto riso, até
Que quem tem samba na alma
Não precisa ter samba no pé.







--
(Eu tenho samba só na alma!)

domingo, 10 de maio de 2009

Das quatro paredes

Não encontro outra saída
melhor que vê-las como limitações
mas esses bobíssimos blocos são apenas
limítrofes
entre eu e o barulho desorganizado do quarto do meu irmão
e para as minhas palavras, são pontes
que vão daqui para o além-mar

Do céu





Eu não procuro o céu apenas pelos enorme milagre das cores em carnaval acima de mim. Eu imploro pelo céu porque, às vezes, o cimento é tão triste e o que me alegrava já passou, como um bloco carnavalesco, então procuro um alento, de que inclusive os maiores milagres do mundo - como as nuvens dançando - de vez em quando acabam, ou apenas terminam numa enorme - e tão linda quanto - chuva.
Você, assim, de repente, me retirando por inteiro de sua vida, primeiro as fotos no álbum, depois os recados, depois os abraços, depois o meu aniversário na sua agenda, depois aquele presente que eu te dei com medo, depois o meu cheiro, depois as próprias lembranças, e ninguém jamais poderá provar que eu fiz parte da tua história.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Quisera eu ser assim
com uma máscara que esconde
tudo o que não for alegre,
tudo o que não for só riso.
Me bastava ser bailarina
com dois passos já no céu.
Me bastava ser a mulher barbada
que nunca quer tirar o véu.
Me bastava pular do teto
e encontrar no ar tudo como apoio.
Me bastava sofrer o desatino
ou correr no picadeiro
ou lutar contra uma fera.
Me alegrava ser Branca
impostora de um mandato de prefeitura
de presidência do palco
pensando estar acima dos outros que dançam,
e cantam
e jogam
Mas, de fino, se pudesse escolher
eu queria ser Augusta
e pegar meu coração,
repartir em trezentos pedaços
e entregar nas mãos de todos
todos, todos, todos,
qualquer um que quisesse cuidar.

domingo, 3 de maio de 2009

Classificados

Procura-se, enfim, um edredom - não me importo se for usado e já tiver alguns retalhos - que me envolva quando eu estiver com frio; uma poltrona favorita; saldo inesgotável de mega abraços; dedos entrelaçados; o perfume que terá para sempre o cheiro da minha mãe; um espanador que limpe cantos especialmente empoeirados; meias coloridas; as nuvens, como sempre muito confusas; literatura; fotos desaparecidas com o tempo (especialmente aquela que imprimiu o segundo imediatamente anterior ao de dois olhares se cruzando); chocolate quente na cama, na hora de acordar; sorrisos demonstrando amor; um carrossel no qual não me considerem grande demais... basicamente, procura-se alguém disposto a dizer: "eu vou com você".

Luaral

Espero que essa noite você tenha tocado, ou pelo menos olhado para a lua que nos velava, porque em algum lugar dessa mesma noite eu pensava em você lembrando que ainda te devo essa lua, que tantas vezes te prometi em silêncio.

Apelo

Talvez você não conheça a minha história, tampouco a dos meus olhos - e veja bem, nem tudo está escrito neles, pois muito se perdeu ultimamente nas lágrimas que deixei evaporar. Muito provavelmente você jamais percebeu o que de fato se passava comigo durante todo esse tempo. Não se sinta mal: eu não quis que você soubesse. Não quis que pensasse que, enquanto meu amigo, devesse me consolar. Eu tinha outros planos.
Eu quis manter o meu mistério para que você também se sentisse inseguro. Saiba: a insegura sou eu. Eu não tenho mistério nenhum, sou toda feita de medo. Então, eu te imploro: de coração, dessa vez não me despedace.
Aquela música tocando numa mesa de almoço servido, e as moças em silêncio, com lágrimas nos olhos. Uma música calando bocas que falam tanto e, de repente, pararam para pensar num passado que nem se tem muita certeza de que passou. Tal música única com pelo menos três interpretações diferentes em uma só mesa de almoço em silêncio. De tudo que se pôde saber daqueles três minutos que passaram calados, a minha única certeza é de que todas as lágrimas que quase caíram entre as três moças falavam de amor.