quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Alma fractal

Eu não sou, embora seja. E o mero ato de aqui estar já basta para que não. Este estar é um eterno cotovelo na costela: estar no lugar dos que são sem ser... um debater-se no silêncio da morte (será o silêncio da morte igual ao silêncio da paz?) sem saber. Teorizo e todos os meus postulados são falsos, incapazes de descrever qualquer realidade. Poderia preencher todas essas folhas com as mentiras que conto. Estou, apesar de não estar. Vivo banhada por um sol seco, que queima o que se aproxima. Sou um sol oco e impermeável - e por isso a solidão é tão bem-vinda... porque sou, apesar de não ser. E porque tenho em mim todos os medos do mundo.

(os sonhos, deixo para Pessoa)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A questão, meus amigos, é que os potes estão sujos embaixo. O que eu quero dizer com isso? Se um pote está encardido de gordura, poeira, com molho grudado, lascas de madeira - e quaisquer outras coisas- na parte inferior, tanto faz em qual mesa vamos apoiá-lo - pode ser a mesa de cirurgia do cardiologista do presidente! Tudo vai continuar imundo. A questão não está na mesa, mas no pote.

sábado, 25 de agosto de 2012

LORENA -Estou cansada não nos sentidos banais da palavra e a sua ausência é como um cotovelo nas minhas costelas.
JOAQUIM - Como assim?
LORENA - Estou cansada, não como quem liga a TV, mas como quem precisa de algo que o ponha em movimento...
Quando penso nos seus 'nãos' e em 'adeus', parece-me que o ar se reduziu a uma pontada fina de dor.
Entendeu?

domingo, 19 de agosto de 2012

Querido,

eu tô tentando, você sabia? Eu estou tentando ser... ser o quê?
Estou tentando ser gente, primeiro de tudo. E ser uma mulher, além de ser gente. Ser uma mulher que não seja uma mera mulher que só é mulher porque tem a estrutura certa pra carregar uma criança dentro da coluna. Tô tentando ser uma mulher capaz de: conversar sobre coisas gerais e explicitar opiniões próprias (capaz de ter opiniões próprias...); ter senso crítico e político; amar muito uma pessoa, a ponto de me rasgar e beber água sanitária em noites de sábado; estar sozinha, plenamente sozinha, sem me esquecer de que ainda assim sou social; viver experiências por elas mesmas, e não para outrem; ter uma inocência mortífera; fazer coisas boas a mim e aos meus; entre outras coisas.
Mas acontece, meu querido, que tudo isso tem sido em vão e eu ainda não consigo sequer olhar nos olhos do outro. Estou distanciada. Não consigo cuidar de você. Não consigo tirar a mente dos meus medos. Estou paralisada. Não consigo estender a mão generosamente. Não consigo pensar em nada que eu precise falar para o mundo. Dos 32 únicos temas universais, não sei dizer uma palavra de quaisquer. E daí que eu comecei a questionar assim para onde é que eu posso ir? Por onde começar a cada vez de novo e de novo? E onde é que estou agora (só sei assim: estou longe.)? E o que é que você espera de mim, eu me perguntava. 

E não tenho nenhuma resposta.

sábado, 11 de agosto de 2012

Está com medo, bicho? Vê seu destino se esvaziando por entre os dedos? Tornou-se mais uma vez uma criatura acuada num canto de sala, um mero espectador da sua própria sorte? Bicho mau, seu bicho mal educado e sem expectativas de melhora! Você sabe que é muito pouco e esse saber te encerra numa jaula hermética? Arreganha os dentes para qualquer um que te oferece uma companhia? Não deixa ninguém entrar, mesmo que seja para te alimentar? Sente que a qualquer momento vai explodir pelos poros, animalzinho doméstico? Está paralisado, como se a própria vida gritasse aos teus ouvidos: REAJA e outras palavras dúbias sobre seguir em frente a qualquer custo, apesar de? Se sente impotente e fracassado por não saber o que quer responder para tudo?


(eu também.)

A Conclusão é a seguinte:

Se você não está
a vida fica muito lúcida
e tão pouco lúdica...
exatamente no mesmo instante em que descobri que ainda não estou morta
e voltei a sentir meu coração pulsando do lado de dentro
(não apenas para me manter biologicamente aqui-agora)
...
me dei conta de que posso morrer a qualquer instante!
: a partir dali todos os motivos que me uniam a ela já não eram mais O Grande Motivo e O Grande Motivo era um outro momento-de-vida (posso colocar nessas palavras?) e significava, mais do que salvar aquele corpo frágil que implorava por ajuda, salvar a minha própria alma e quem sabe merecer o Reino dos Céus Agora e Na Hora da Nossa Morte - e eu, naquele profundo grito egoísta, desejei o rejúbilo e as congratulações por estar ali, no lugar que me havia sido designado quando 'eu' era tão pouco Perto De: Perto De Tudo Que Aquele Momento Exigia. E quando ela se perdeu de mim me dei conta disso tudo, com todas as palavras, eu fui muito pouco em comparação ao que havia passado; e assim, com a alma retornando ao Reino do Fogo e todos os músculos atrofiados de medo (por quem?) chorei por trinta dias e trinta noites até a penúltima lágrima secar.