quarta-feira, 23 de abril de 2014

A grande violência do silêncio
O sangue que escorre quando o nada
A morte irremediável da ausência
A grande paz dos teus olhos
Um segredo que nunca foi contado
O presente de ser, de estar
A enorme esperança de prosseguir
O encontro.

Olhos nos olhos.
às vezes esse treco engasga tanto a goela e o peito que saio esfaqueando o travesseiro e revirando todos os baús atrás de algo que me aplaque: um sabor antigo de café ou uma gravação em que se ouça a tua voz, a tua voz calmante ou um cheiro que é teu mas não sobrou nenhuma peça de roupa e eu tento, tento, passo o dia tentando e procurando aquela carta que você me mandou em vários pequenos bilhetes que o tempo passando tirou de ordem, sabe? e nessa aflição de te recuperar de qualquer maneira eu choro e é o exato momento em que sinto na boca o gosto do teu último beijo, aquele em que eu não queria, mas entrei em casa e você também não queria, mas deu partida e foi embora para provavelmente nunca mais voltar.
Sinto algum prazer indissolúvel na solidão desta tarde em que chove lá fora e eu, aqui dentro, passo as horas olhando a janela de casa e a dos livros também. Existe algo na solidão chuvosa que me completa e me faz querer que esse dia jamais acabe. Algo na voz aveludada do homem que canta, algo no pessimismo das palavras do Pessoa, algo de doce nos meus pensamentos. E nesta solidão encontro finalmente a mim mesma e, desse jeito, me permito:
Eu quero chorar por cada palavra dita que você não ouviu. Eu quero morrer por cada boca que não foi a tua, por todo esse tempo - por toda essa vida - em que estive à tua espera. E digo isso porque a tua espera foi sangrenta e dilacerante, feita da matéria da minha carne em cotidiana tortura: que me ria embriagada para ser voraz e selvagem a quem não fosse você, e mistério e desejo e curiosidade. Mas torturada pela minha própria unha afiada eu dormia encolhida e suplicante, nada além de um filhote perdido. Eu quero voltar atrás pelos anos em que a sua ausência desconhecida me movia para o corpo dos homens que não me amavam e por cada gozo seco que já veio à terra porque você ainda não.
Existe, assim, algo em mim que se mortifica pela tua vinda, porque só depois dela a leviandade exposta como uma chaga pôde sangrar. Arrependimentos, súplicas de um amor que foi sempre negado, sempre e novamente negado à exaustão enquanto você não vinha. E na vinda tua um desespero mortal: que seja a resposta! Que me salve dessa intangível solidão! Que me busque onde quer que eu tenha me perdido e que me mostre a verdade. Que o sua vinda traga o tempo da verdade.

(15.03.2014)

terça-feira, 22 de abril de 2014

Existem sonhos estéreis
sonhos feitos apenas pelo idílio
que se enterram no travesseiros
e nas horas encerradas a sós.
Existem sonhos que nunca serão
apenas porque não.
Porque não! Por que não?
Porque...
Conforme os dias passam e o sonho cresce
Eu rezo: que você não seja um desses.
Amém.

Amor,

vamos sair para passear? vamos só sair, para ver a noite de algum lugar novo? vamos? procurar a lua, vamos. não durmo há semanas; não me abandona esta sensação de tanto a ser vivido. vamos só estar lado a lado, em silêncio, mais nada? eu quero segurar na tua mão sem medo. sem mistério. de madrugada teu nome grita no meu ouvido, vem ficar por aqui, vem pastorear meus pensamentos, vem orquestrar esse caos, vem?
Neste mundo estranho em que vivemos nós, filhos de um tempo morto, sem o peso da realidade palpável somos escravos das transferências de dados e medimos nossa qualidade em taxas de download e upload. Tudo é virtual: tudo ao redor não passa de um holograma que tentamos tocar com as pontas dos dedos. Quase nada mais respira... boiando nesse mar onde tudo está ao alcance mas nada nos toca e em nada tocamos, nos damos conta de que há o vazio. E, afinal, o que existe no nada? A urgência de, de alguma maneira, ocupar esse espaço. Mas nada preenche o vácuo. Atiramos para todos os lados: enchemos a cara, ficamos loucos, apagamos a memória. No dia seguinte, a bile (pelo menos já é alguma coisa). Não nos serve. Apelamos para o sexo. O gozo sai seco. Tentamos a comida, ficamos gordos e a televisão propõe suicídio. Acreditamos que o Outro virá, mas ele não vem. A bile não se dissolve. Quando encontramos um Outro queremos tanto que ele seja a resposta que se Ele vai embora, o vazio é ainda mais profundo e tomamos remédios psiquiátricos. As ideologias nos cegam: acabamos fazendo tudo igual, mas pelo avesso.
O que me apavora quando olho para nós é: e se o que finalmente prometer consertar os nossos estilhaços de alma for, na verdade, qualquer arma mortífera? Estenderemos os braços e a consumiremos com voracidade.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Por todas as coisas que não no permitimos sentir. Por todo esse amor que eu já ceifo antes mesmo de nascer: por mim ou outrem. Por toda música ainda a ser composta mas eu não falo essa língua. Por todos os sons, todos os sonhos que não pude sonhar; por essa indescritível solidão que me acossa quando escuto o violino do vizinho. Por toda mágoa e todo desejo cravado no fundo da garganta, calo-me no mais violento dos silêncios e sigo, inviolável.

domingo, 6 de abril de 2014

Lembretes

Eu espalho pela casa bilhetes para você, na cega esperança de que você os leia a tempo de. A tempo de saber que o tempo me talhou assim: como você jamais poderia prever. Com o tempo aprendi a amar o que me amedrontava, talvez você se lembre. Com o tempo descobri, na estrada, a resposta. Descobri nas agridoces curvas do futuro urgência; urgência de ir e voltar. Isso já me destruiu n'algum lugar do passado (talvez você ainda se recorde...). Mas hoje me alimenta: dona de duas casas e de nenhuma, encontro o gozo na travessia. Se você sentir aquela velha náusea da minha ausência me procure em alguma rodoviária, provável que me encontre num ônibus como aquele da última vez, descendo ou subindo irreconhecível, a cada dia transformada, nova e loba, a cada dia com uma nova fome da estrada. E eu vou te sorrir sem medo e falar, sem emitir nenhum som: que de alguma maneira eu encontrei Deus sobre o asfalto, mas que sempre voltarei para este mesmo lugar, onde está eternizado este teu sorriso que chora e este aceno que implora pelo meu retorno. Para te dar um último beijo e poder partir, sempre, e em paz.