domingo, 20 de maio de 2012

Pai,

continuo tendo medo do escuro e essa noite quis levar o colchonete para a beirada da sua cama e dormir aninhada pelo som da tua respiração. Continuo tendo medo do escuro e do silêncio. E por isso distribuo palavras pelo ar, como malabares, e caio apenas em cimas dos colchões.
No fundo eu não mudei tanto assim...

Me permito ser assombrada pelos meus fantasmas

Quando descobri que ao me debater-resfolegar-choramingar todos os olhos da noite se viram para mim, eu permiti e deixei que meu corpo descansasse sobre a sombra. Qualquer sombra. Tuas mãos são duras, mas mesmo assim tentam me acariciar... desta vez não vou ter medo. "Aí vindes outra vez,"! Talvez ao contrário: se meus braços se esticarem na sua direção, tentando alcançar o seu corpo; talvez se eu te convidar para dançar, da treva fiat lux? Por quê fugir do que sou - e o que mais eu sou, o que mais no universo eu poderia ser?, além de um corpo delineado pela própria ausência?
Mais um solilóquio.

"Aí vindes outra vez, inquietas sombras!"

domingo, 6 de maio de 2012

O Pianista

Quando seus dedos desenharam o primeiro acorde no meu corpo
todos os pombos da praça levantaram vôo
e vieram para mais perto.

sábado, 5 de maio de 2012

Canção do desapego.

Estou compondo uma canção
de ninar, uma cantiga
Um rockinho à moda antiga,
a valsa da valsa
e no último momento
adiciono o novo compasso
de um tango violento:

Para nunca mais te olhar nos olhos
Nem descascar a fruta já morta
nem escutar um piano desafinado
a desatar canções tortas.
Minha alma não escuta a tua guitarra elétrica
nem quer saber de alianças e mãos atadas.

Meu corpo se despede e sem hesitar
Rodopia a três por quatro
e fecha a porta silenciosamente
atrás de si.

Na hora do almoço

: sou infeliz e tenho vergonha de ser quem sou. 

você falou de repente as palavras, com todas as palavras. 
talvez elas nunca tivessem sido ditas.
Acho que não...

fingi que não. 
separei dois dentes de alho
penteei seus cabelos com a faca
e a cebola nunca mais me fará chorar.

Ela tinha medo de bicho e por isso quando ouviu o primeiro som do trovão se escondeu debaixo da cama e nunca mais saiu de lá.