quarta-feira, 28 de abril de 2010

Torturante

Não abra essa porta. Proíbe-se a entrada de estranhos no recinto. Por favor, não insista.

Pois que entremos pela porta escura, num lapso do vigia.
Entremos num quarto branco, brilhante, limpo, cujo sabor cítrico agrada aos sentidos. Você quase teria vontade de se manter lá dentro, não fossem óbvios os motivos escusos de tanto cuidado.
Encoste a porta com cuidado e não feche os olhos ao que está por vir. Não faça barulho. Não queremos que te descubram.

Olhe ao canto. Verá um balde azul, cheio de água. Verá um rapaz ajoelhado, molhado pela cintura. Perceba que seu rosto se mantém impassível. Perceba que seus olhos estão secos, apesar da água. Não comente com os seus amigos. Não conte a eles como um rapaz não muda de ideia em um lapso de tortura.

Agora veja: essa garota em pé ao lado do rapaz. Essa garota sou eu. Sou eu quem chora com uma dor lancinante, apesar de ter assumido a postura da torturadora. Eu seguro o rosto do rapaz nas mãos, veja como eu estou triste! Enfio-o no balde, e o ar me foge aos pulmões, quanto mais lhe mantenho afogando.

Eu, que não suporto mais a asfixia, levanto-te e me perco dentro dos seus olhos. Secos.

me ame. pelo amor de deus, me ame. mude de ideia, eu valho a pena. me ame novamente.  POR FAVOR, MEU AMOR, VOLTE ATRÁS, LHE IMPLORO, POR FAVOR ME AME DE NOVO.

Os olhos secos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Querida,

"C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore,
Serais ce possible alors ?"



Não. Não, ele não te ama mais. 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Passeando por uma dessas ruas que nunca sabemos o nome
eu vi uma mulher triste.
No primeiro momento, me maravilhei
pensando que ela brilhava!
mas entendi: eram lágrimas escorrendo.
Meus olhos se encontraram nos dela
e ela também me olhava...
Eu não pude me privar de sustentar o encontro
porque uma desconhecida que chora é um choro que não se acalma:
se contempla.

E havia uma mulher triste me olhando com curiosidade,
a mesma curiosidade e a mesma afeição anônima
de uma mulher que vê outra chorando
como quem atravessa o concreto de lágrimas puras e atinge uma alma.

Tentei falar: você quer conversar?
E sua boca me respondeu, mas não pude ouvir palavra alguma.
Você quer ser minha amiga? Quer se dividir comigo?
Os lábios molhados se moviam
e um silêncio que eu não podia atingir.

Desisti, então
e virei meu rosto, a fim de fugir do magnetismo
e vi seu rosto se virando junto, para o lado oposto.
Olhei de novo e os olhos brilhantes me espiavam, apavorados...
Foi então que eu percebi:

estou parada em frente ao meu reflexo no espelho.
A mulher triste sou eu.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Das cores

Existe um espectro de concreto na esquina
dentro dos meus olhos, a vida é cinza
existe uma poeira fina que não desgruda dos pés,
existe uma ausência no lugar da porta.

O asfalto levantou-se do chão e se ergueu sobre mim
num abraço quente, mas cinza, cinza, me queimou
Eu machucada nesse mundo de cimento
Eu que via, mas fingia que não

Só que você apareceu com essas roupas coloridas
e os cabelos coloridos
os seus olhos tristes, mas tão coloridos por dentro
que eu tive de me acostumar com a ausência do cinza
com você por perto
como eu poderia não me apaixonar?

sábado, 10 de abril de 2010

"te ver triste é pior que te ver morta"

não olhe agora, estou morrendo
de tanta tristeza...
o homem impecável disse
'estamos agora testemunhando a presença de Deus'
mas nos olhos fundos de perda, de lágrimas
eu não vi Deus nenhum,
eu não encontrei alento algum naquele homem
e quis socá-lo, eu quis que ele sentisse as minhas lágrimas
porque eu me entreguei aos seus cuidados e
ele me julgou:
eu não estou me vitimizando, eu estou sofrendo.
não estou me colocando num lugar de mártir,
eu estou triste.
Eu só estou triste.

terça-feira, 6 de abril de 2010

190

Me sequestraram.
Por favor, venham me procurar
estarei n'alguma esquina
olhando para as estrelas
ou estendida no chão
- mas não se desesperem! -
sonhando...

Eu tentei um acordo
ofereci dinheiro, casa, carro,
meus jeans surrados
ele não quis me devolver
Tentei fugir correndo
mas ele tem braços longos
não pude escapar

Imploro, me libertem!
Ou eu serei a eterna vítima
a eterna escrava
desse sequestrador sem piedade, inumano
esse sequestrador que me enlouquece
com seus olhos doces

Corram com suas armas,
com sua proteção de fogo
me retirem dos braços
desse amor...

sábado, 3 de abril de 2010

Problema de Português

Júlia Munhoz vê crase onde não tem.
Vê crise onde não tem.

Para Godot

Esperando
um dia novo,
o teu olhar, o meu mundo
esperando a melhora
que eu não posso fazer sozinha
Eu estou esperando
paciente
ansiosa
eu estou esperando com um tremor nas pernas
com um brilho polido de espelho nos olhos
Te juro que estou esperando!
Mas espero surreal
por um Godot que eu sei que não virá
E quando se fecharem as cortinas
me levantarei da espera iluminada
para te esperar na rua, na chuva, em casa
paciente
ansiosa...

Um pêndulo para Foucault

Eu sou magnética:
o mundo roda
e eu rodopio,
rodopio, rodopio e insisto
na velocidade de luz
não poderão me ver
porque eu sou o pêndulo invísivel
eu oscilo em período inconstante
frequência inconstante
oscilo entre o tédio e o sofrimento?
Não.
Oscilo entre você e eu mesma
eu sou o contrário da ausência.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Os adultos dirão que não, mas eu posso afirmar: existe um monstro debaixo da cama. Outro monstro dentro do armário. Outro monstro esperando atrás da porta. Mais um do lado interno do lustre. Os adultos dirão que eu estou inventando tudo isso, mas eu sei porque eu os conheço (os monstros, não os adultos). Quando você está distraída, um monstrinho se esgueira e sobe ao teu ombro, sem que você perceba. Logo todos os outros se empoleiraram ao redor de você, se emaranhando nos teus cabelos e sussurrando baixinho, sussurrando coisas que só você pode ouvir, os monstros lhe entram na cabeça e vão parando o tempo no relógio, tua vida em câmera lenta e você desejando apenas que passe, por favor vão embora! Os monstros não vão embora, eles se alimentarão do teu medo, esse tremor que parte da tua alma e chega como um terremoto incontrolável no peito, na pele, nas pontas dos dedos e você implora que acabe logo.
Os céticos dirão que não, mas por favor acredite: existe um anjo debaixo da tua asa. Existe um anjinho sentado em cima da tua cabeça. Existe um anjo morando dentro do teu umbigo, existe um anjo descansando em cada um dos teus olhos. Alguns dirão que é mentira minha, como se eu fosse capaz de inventar coisas tão sérias! Mas os anjos não têm medo de você: eles estarão lá sempre, independente do seu estado de espírito e são eles que vêm lhe fazer coceguinhas na barriga quando você acha que não há mais nada para se fazer, que lhe darão alguma pontinha de esperança, apesar de haverem monstros terríveis sobrevoando teus pensamentos. Por favor, acredite mais nos anjos que nos monstros, pois os anjos são seu anticorpo.
Como se livrar de um monstro? Ria, por favor olhe nos olhos de um monstro e ria lá dentro, e verá o que acontece, um monstro se dissolvendo e voltando a ser, apenas, o desconhecido do escuro de debaixo da porta. E os seus anjinhos, com suas coceguinhas, com sua esperança, com seu apoio invisível, eles lhe darão tudo para uma boa risada, e o medo vai embora, e o tempo volta ao seu ritmo, e você encontra alguma paz, ou algum bom motivo para continuar.

(Para Cris)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Hoje acordei inspirada: 'vou escrever poesia!' pensei, 'vou escrever a minha mais bela poesia, derrubar os alicerces da minha própria escrita. Hoje vou falar sobre coisas novas, utilizar uma nova linguagem, me revolucionar!'
De lápis em punho e o papel branco, senti o arrepio do que estaria por vir: o papel agora branco preenchido por lindas palavras que eu inventei. Então me permiti ir escrevendo, escrevendo, por horas, horas, descrevendo a paisagem da minha imaginação, explicando a geografia do meu mundo, pincelando meus conceitos de amor, música, filosofia, teatro, horas, horas e horas.
Terminei (não sei se por cansaço ou por esgotamento de tema). Me senti como um grande artista deve se sentir após terminar sua obra prima: não consegui olhar para o papel. Então, com o cuidado de quem abre pela primeira vez um livro que sempre desejou ler, foquei minha letra rabiscada.
me havia traído mais outra vez.
Era:

seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nomeseu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome seu nome (...)