domingo, 29 de janeiro de 2012

Fiquei lisonjeada que vieste ontem me ver! Vieste ontem me ver? Ou vieste anteontem? ...
Ou não vieste nunca... Creio que nunca. E eu, a tua boneca ingênua e dissimulada, continuei te esperando, sentada no sofazinho branco por horas... horas. Como não vinha, como não viria nunca, chorei por dias e dias e dias. Quem sabe meses ou anos?! Mas sem nunca sair da soleira do sofazinho branco com vista para a rua e para a porta que poderias atravessar a qualquer momento. Como se o destino viesse a nos unir num dia desses de muito sol ou muita chuva em que procurarias abrigo debaixo dos meus bracinhos brancos que te abraçariam e dentro de mim ficarias para sempre.
...
Pois que o tempo se passou e eu não caibo mais no vestidinho angelical. Foi quando resolvi abrir as portas da minha casa aos outros: a todos os outros que por aqui quisessem passear. Troquei as cores e as medidas do vestido. Troquei as cores da maquiagem e expus os braços a quem quisesse ver: ou tocar! Foi assim que se deu.
Mas se quiser aparecer... ah, se quiser aparecer ainda me encontrará no mesmo sofá puído com vista para a porta e para a rua... aguardando.
Te ouvindo dizer repetidas vezes que me ama: como um homem durante o sexo promete à puta que com ela se casará; que seus filhos serão dela que constituirão uma família e serão realmente felizes. Eu sou a sua puta: ouvindo as mentiras tuas a sós, só. Eu sou a puta que chora grávida de um orgasmo seco; pago com folha de cheque. Eu sou a puta sem treino que acredita que você me ama repetidas vezes - e que morre sozinha num quarto sem nenhum móvel.
Mas nós sabemos que em nossos encontros não é como se o tempo não tivesse passado. Bem pelo contrário: cada segundo de ausência é uma nova ruga na fronte de 'nós', mais e mais profunda, ir-re-pa-rá-vel. A cava vez juntos me parece ainda mais que tentamos batizar um corpo pétreo, sem vida alguma - e insistimos que não, que a vida no habita. O tempo tem sido cruel para nós. E não teremos nunca coragem de dizer uns aos outros: com licença, meu caminho vai para a esquerda e o seu, para a direita - e tenho pressa!. Nós ficamos no meio. Um pouco mortos, uma lufada de ar, um suspiro frouxo. A um passo do vazio. Um enorme silêncio agora. O que nos unirá para o eterno?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

- É, Bianca, é bom te ver de novo! Você continua bonita como nunca, os lábios ainda mais sensuais com esse tom vermelho vivíssimo vibrante e os olhos de gata poderosa...  mas a mim você não engana! Eu te olho nesses olhos delineados, te olho fundo nos olhos e sei que você pinta a boca todas as noites dizendo a si mesma que 'essa vez vai conseguir ser ainda melhor do que as outras, mesmo que todas sejam perfeitas', com um sorriso bobo estampado na tua carinha, quando na verdade é tudo uma grande merda sua vida vazia como sempre sem qualquer perspectiva só, completamente só debaixo de camadas e camadas de maquiagem...

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Pas de Valse

E também há isso: nos imagino rodando ao som de yann tiersen summer 78, galgando as alturas como se a superfície do mundo fosse um enorme trampolim: e lá em cima rodopiamos juntos, a valsa mais allegro que já foi composta, mais e mais allegro, minha saia forma um véu ao nosso redor, tua mão na minha cintura, segura, em casa, você é meu danseur noble, meu cais, você ensinando ao sol como é que se abraça sem machucar, mostrando aos anjos como é que se respira sem sobressaltos, valsas e valsas que não se acabam, troppo! Palmas e pianos, palmas e cítaras, palmas de Deus que nos assiste - ardor e delicadeza, o movimento e o contra-movimento, o amor e a raiva, o impulso e a queda, tudo em nós dois, uma última esperança, um solfejo

e cairemos como o último vaga-lume amarelo, um último compasso
ternário ou não.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Eu amo te deixar para trás por ter certeza de que àqui retornarei. Eu amo as milhares de luzes que se acendem no instante em que viro a última curva, prestes a te agarrar nos meus braços e te beijar os olhos como quem implora para que não faças comigo o que contigo cometo, pois eu não sobreviveria à ausência irreparável do teu rumor do teu arfar incessante Eu amo ter a certeza de que te encontrarei como sempre, caloroso e indiferente aos meus gritos e às minhas súplicas, me assistindo do alto de suas luzes brilhantes com um olhar calmo sábio paciente que me julga sem julgar que me acolhe me mandando embora; e amo quando o meu ritmo se acostuma com o teu, como fusos que se encontram do outro lado do pacífico, e eu saio pelas ruas plena da certeza da grande, da majestosa, da definitivamente insuperável adoração que tenho por ti... eu amo quando os teus braços longos me ensinam um novo caminho através de, para superá-lo ou me superar Amo as estradas e as respostas ágeis amo o silêncio noturno e a histeria noturna. Eu amo me perder dentro de você. Enfim.

E então a iluminação:

para me tornar mulher, preciso deixar de ser café-com-leite na vida!