domingo, 17 de julho de 2011

Vó,

hoje lhe escrevo porque, como sempre, não pude falar quando foi a hora. E preciso falar, mesmo que você jamais saiba: eu me esqueci, vó, que a morte também vem para os leões e outros Seres Especialmente Fortes Apesar De, eu havia me esquecido mais uma vez, vó, que a morte também vem para você, apesar de você ser uma mulher de garras e dentes e unhas e todas as outras formas de se proteger e se manter firme: afinal, como você poderia se proteger de si mesma, das falhas que podem ocorrer dentro do seu corpo sem que você possa se colocar na frente de hemoglobinas, plaquetas, leucócitos e outras coisas minúsculas que insistem em não funcionar, em sangrar por dentro, em impedir o perfeito funcionamento, etc? Como você poderia entrar dentro do próprio cérebro e impedir mais um acidente vascular prestes a ocorrer, a qualquer momento? E foi ali, vó, dentro daquela sala comum de UTI, vendo você dormindo tranquilamente - apesar de. - que eu pude ter certeza que quero ser uma mulher como a senhora, dessas que acordam e, com um sorriso banguela e os olhos cheios de lágrimas de gratidão porque a sua netinha veio visitá-la, juntam a coragem para humildemente pedir desculpas por ter estragado o meu aniversário - sendo que aquele momento estava sendo o meu maior presente: o teu sorrisinho banguela e a tua mão com eletrodos ou seja lá qual for o nome daqueles fios pendurados monitorando a tua força vital, vital, humana vó! E então agradeço às Forças que regem o universo, que não foi desta vez que te perdi pra sempre, mais uma vez sem nunca ter dito que te amo, te amo te amo, nunca disse porque nunca juntei coragem, nunca porque você sempre foi forte demais: e então você ali com toda a coragem do mundo de lutar contra o medo da morte.
Obrigada, vó, por continuar me ensinando, mesmo sem perceber, na maca com eletrodos e um sorriso sem dentes...


E por favor alguém me traga essa dentadura!!

(Que é pra você morder a morte com toda a tua força. E afugentá-la.)

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